A tecnologia 3D como aliada na resolução de casos complexos

A tecnologia 3D como aliada na resolução de casos complexos

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Abordagem sobre o uso da tecnologia 3D no tratamento ortodôntico revela desde suas contribuições mais importantes até pontos sensíveis que ainda precisam ser aprimorados.

A reprodução digital volumétrica do complexo craniofacial amplia as possibilidades de diagnóstico e planejamento. Aliado a isso, os softwares simuladores são uma realidade na Ortodontia e contribuem sobremaneira em diversos aspectos: desde a maior previsibilidade do tratamento até a melhor comunicação com o paciente, que consegue visualizar o resultado pretendido. Acompanhe a seguir uma abordagem sobre o uso da tecnologia 3D no tratamento ortodôntico, que revela desde suas contribuições mais importantes até pontos sensíveis que ainda precisam ser aprimorados.

Situações clínicas versus o uso de set ups virtuais

Maurício Tatsuei Sakima
Mestre e doutor em Ortodontia – Foar/Unesp; Pós-doutorando no Depto. de Ortodontia – Royal Dental College, University of Aarhus (Dinamarca).
Orcid: 0000-0002-7941-565X.

Acácio Fuziy
Mestre em Ortodontia – Foar/Unesp; Doutor e pós-doutorado em Ortodontia – FOB/USP.
Orcid: 0000-0002-2725-8912
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Modelos digitais e tomografias computadorizadas são uma realidade no diagnóstico e planejamento do tratamento ortodôntico. As tomografias computadorizadas são especialmente necessárias nos casos que apresentam dentes inclusos ou impactados, para definir o prognóstico do tratamento, e nos casos ortocirúrgicos, nos quais a visualização das alterações faciais resultantes da cirurgia ortognática é facilitada com softwares específicos.

Com a popularização dos scanners intraorais – adquiridos por serviços de documentação ortodôntica ou pelos próprios clínicos –, os modelos digitais se tornaram disponíveis para a maioria dos ortodontistas. Juntamente com esta tecnologia, também há vários softwares que realizam set ups virtuais e permitem a visualização e o planejamento da movimentação ortodôntica de cada dente. A resolução de casos complexos é otimizada, já que tanto os movimentos dentários quanto a ancoragem podem ser planejados. A visualização tridimensional do resultado pretendido é o passo inicial para possibilitar um plano de tratamento mais racional, especialmente nos casos de alta complexidade.

Muitos ortodontistas ainda acreditam que os modelos digitais servem apenas para quem quer trabalhar com alinhadores, mas isto não é verdadeiro. O planejamento ortodôntico digital passa pela interpretação dos meios diagnósticos disponíveis e não somente pela avaliação dos modelos digitais, e deveria ser feito pelo ortodontista e não por um técnico, principalmente quando se almeja um tratamento com qualidade.

A possibilidade de movimentar cada um dos dentes virtualmente, de forma a gerar uma boa oclusão, passa pela análise do que é possível, do que deve ser evitado e dos recursos que se dispõe para realizar um determinado tratamento. A análise das inclinações de cada dente nos três planos do espaço e a quantidade de compensação dentária presente irão ditar as possibilidades de tratamento.

De maneira geral, o que fazemos em Ortodontia é a manipulação de espaços intra-arcos para a resolução de problemas intra e interarcos. A criação destes espaços por meio de vestibularização de incisivos, distalização de molares, expansão transversal ou ainda por meio de desgastes interproximais e extrações dentárias pode ser testada com segurança, sem a necessidade de “achismos”. Durante a fase de crescimento, a expectativa de ganho pela alteração do posicionamento das bases ósseas traz alguma imprecisão no planejamento. No entanto, em casos que já finalizaram a fase de crescimento, o planejamento pode ser mais específico e seu resultado mais palpável e previsível.

Para os casos simples, o set up virtual serve mais como uma ferramenta de comunicação com o paciente do que para ajudar na definição do planejamento ortodôntico. Por exemplo, os ortodontistas credenciados pela Invisalign, caso tenham um scanner iTero ou utilizem algum serviço de documentação com este scanner, têm à disposição o software Outcome Simulator. É um programa amigável para quem quer iniciar no universo 3D e só funciona com modelos digitais gerados pelo iTero. As simulações são feitas de maneira automática, mas permitem ao ortodontista ajustar a oclusão de acordo com as necessidades requeridas. Estas simulações ou set ups virtuais podem ser realizados em casos que serão tratados com quaisquer tipos de aparelhos e não somente com alinhadores. Ao fazer um estudo e mostrar ao paciente, a comunicação se torna mais clara e o objetivo mais visível. É uma grande ferramenta que aproxima dos leigos o universo ortodôntico.

Em casos com muitas perdas ou ausências dentárias, pode haver dificuldade de utilizar esse software, pois a correção automática tende a fechar todos os espaços e, dependendo da quantidade, a abertura de espaços nos locais requeridos demanda muito tempo. Além disso, não é possível avaliar a autorrotação mandibular gerada por intrusão ou extrusão de dentes posteriores. Infelizmente, o que torna o software mais amigável a quem está iniciando é o que dificulta em situações específicas, pois não há como desabilitar a correção automática. No entanto, nos casos mais simples, é uma ferramenta indicada pela rapidez e praticidade.

Nos casos complexos, é comum encontrar fatores limitantes que impedem o planejamento de movimentação aleatória de todos os dentes e as correções automáticas geradas pelos softwares 3D. Deve-se, então, iniciar a montagem da oclusão pelos dentes que não podem ser movimentados e criar uma oclusão a partir deles. Existem vários softwares disponíveis no mercado, como o BlueSkyPlan, o Archform e o Nemocast.

Dentre os casos complexos, destacam-se aqueles em que ocorreram múltiplas perdas dentárias. Observe que o planejamento do posicionamento de cada um dos dentes presentes permite a colocação prévia de implantes osseointegrados, que viabilizarão a condução do futuro tratamento ortodôntico com muito mais facilidade. As Figuras 1 a 5 ilustram o modelo inicial, o set up virtual e a sobreposição das imagens iniciais e pretendidas pelo planejamento ortodôntico. Na Figura 1, pode-se observar a correção das linhas médias, da mordida cruzada anterior e do diastema interincisivos, bem como a distribuição dos espaços remanescentes.

Na Figura 2, observa-se a necessidade de intrusão dos dentes posteriores superiores do lado direito, a ser realizada com o auxílio de ancoragem esquelética. É possível também perceber a distribuição dos espaços para prótese ou implantes. Esta distribuição de maneira precisa é muito difícil de ser executada pelo Outcome Simulator. A magnitude da intrusão de cada dente posterior superior pode ser mensurada. Desta maneira, a ancoragem e os recursos mecânicos a serem utilizados poderão ser otimizados. Observe que os espaços para os implantes, caso haja osso com espessura suficiente, já se encontram definidos antes mesmo do início do tratamento ortodôntico. É possível encaminhar o paciente ao implantodontista para instalação dos implantes nas regiões dos elementos 45 e 46, e, se for possível, o implante do dente 33 com contato na mesial do dente 44.

Na Figura 3, é mostrada a correção da mordida cruzada na região dos caninos, a distribuição dos espaços para implantes e, a partir desta imagem, pode-se planejar implantes nas regiões dos dentes 24 e 26, bem como dos dentes 35 e 36. Na vista oclusal superior (Figura 4), observa-se que, devido à não necessidade de movimentação do dente 25, implantes nas regiões dos dentes 24 e 26 podem ser instalados em contato com o dente 25. A alteração da linha média superior para o lado esquerdo pode ser possibilitada devido à ancoragem esquelética estabelecida pelos implantes colocados previamente ao tratamento ortodôntico.

Na arcada inferior, verifica-se que é possível planejar a colocação dos implantes tendo como referência a sobreposição das imagens do modelo inicial e do set up virtual (Figura 5). No lado direito do paciente, a colocação de dois implantes distalmente ao dente 44 pode ser realizada antes do início do tratamento ortodôntico. No entanto, observe que no lado esquerdo os implantes terão que ser colocados em uma posição mais para lingual em relação ao modelo inicial. Estas imagens facilitam muito o trabalho e a comunicação interdisciplinar.

A grande dificuldade em um tratamento ortodôntico em que o paciente apresenta perdas múltiplas de dentes é a movimentação, por falta de suporte vertical. Ou seja, poucos dentes ocluindo, tendo que suportar a oclusão e ao mesmo tempo tendo que ser movimentados. Nestes casos, não é incomum ver propostas como a extração de todos os dentes remanescentes e a colocação de próteses totais. No entanto, caso os implantes sejam colocados previamente ao tratamento ortodôntico com coroas provisórias, a movimentação se torna muito mais simples, pois a ancoragem esquelética em implantes osseointegrados facilita os movimentos ortodônticos necessários, bem como estabelecem uma melhor oclusão com eficiência mastigatória, e com um procedimento muito mais conservador e menos invasivo.

A ancoragem esquelética permite que alguns tratamentos ortodônticos, antes realizados somente com o auxílio da cirurgia ortognática, possam ser feitos de maneira previsível. Observe os modelos iniciais de um paciente com má-oclusão de Classe II de Angle com mordida aberta anterior, em que, por motivos estéticos, os incisivos não podem ser extruídos (Figuras 6). Para que o planejamento ortodôntico possa ser realizado, é necessária a segmentação dos dentes para possibilitar a movimentação virtual (Figura 7).

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O software Nemocast permite que um articulador virtual possa ser adicionado de forma a simular a autorrotação mandibular, no sentido de fechar a mordida aberta anterior (Figura 8). A autorrotação mandibular não só corrigiu a mordida aberta anterior, mas também melhorou a relação sagital entre os dentes posteriores. No entanto, quando se observa os contatos oclusais em uma vista superior sem a presença dos tecidos gengivais, nota-se a sobreposição das superfícies oclusais, algo que não é possível clinicamente (Figura 9). Para possibilitar este movimento, é necessária a intrusão dos dentes posteriores superiores ou inferiores. Dependendo da magnitude de intrusão requerida, este movimento pode ser realizado somente nos dentes posterossuperiores. Observa-se a diminuição do contato oclusal após a intrusão dos dentes 17 e 27.

Na Figura 10, verifica-se a menor necessidade de distalização dos dentes superiores posteriores devido à autorrotação mandibular. A magnitude da intrusão de cada dente posterior na arcada superior, bem como a quantidade de distalização requerida, é fornecida pelo software. Desta forma, fica mais fácil avaliar se as movimentações serão possíveis e a quantidade de alterações nos três planos do espaço.

O set up convencional com modelos de estudo de gesso representa uma ferramenta de diagnóstico muito boa, mas pouco utilizada devido ao tempo que demanda, à dificuldade de comparação com a situação inicial e à imprecisão do processo. No entanto, principalmente para o ortodontista inexperiente, permite a visualização do resultado de forma mais concreta, identificando como cada dente deve ser movimentado.

A tecnologia 3D com os softwares que possibilitam a realização de set ups virtuais vem suprir esta demanda, especialmente nos casos complexos em que a visualização do resultado é crucial na definição de um plano de tratamento. Saber com precisão cada movimentação ortodôntica necessária avaliada nos três planos do espaço é a chave para planejar quais dispositivos ortodônticos devem ser utilizados e, principalmente, como a ancoragem deverá ser feita. A visualização da sobreposição das imagens inicial e final permite saber quais são os movimentos mais difíceis e é um recurso indisponível nos set ups convencionais.

Softwares como o Outcome Simulator e o Nemocast são apenas uma pequena parte do que está disponível no mercado. A tecnologia 3D permite simulações que facilitam a comunicação com os pacientes e com os dentistas parceiros. Especialmente para os casos complexos, são ferramentas de diagnóstico que conduzem ao planejamento ortodôntico com maior previsibilidade de resultados.

A transição dos modelos reais para os digitais tem sua curva de aprendizado, requer computadores mais potentes e softwares com custos elevados. No entanto, no futuro esta tecnologia estará disponível para todos e, quanto antes o profissional iniciar esta caminhada, mais fácil será a adaptação. Nos países desenvolvidos esta já é uma realidade.

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Diagnóstico e planejamento em Ortodontia
a partir de reprodução tridimensional volumétrica

Marcelo Valério
Especialista, mestre e doutorando em Ortodontia – FOB/USP. Professor de pós-graduação lato sensu em Ortodontia.
Orcid: 0000-0003-2529-2110.

Guilherme Janson
Professor titular do Depto. de Ortodontia e vice-diretor – FOB/USP; Pós-doutorado realizado em Toronto, no Canadá; Membro do Royal College of Dentists of Canada; Diplomado pelo Board Brasileiro de Ortodontia.
Orcid: 0000-0001-5969-5175.

O emprego da tecnologia 3D em Odontologia caminha a passos largos e emaranha-se dentre suas diversas especialidades1. A reprodução digital volumétrica do complexo craniofacial do paciente marca a introdução do profissional às possibilidades de diagnóstico e planejamento digitais como operador direto do sistema. Esta reprodução pode resultar da leitura de um arquivo de escaneamento intraoral ou de um exame de imagem obtido mediante incidência de radiação ionizante e realização de cortes com dimensão pré-determinada, como a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC)2-3. As imagens digitais de ambos os exames podem ser impressas ou prototipadas4-5. A partir delas, acessórios e aparelhos ortodônticos, como dispositivos de tracionamento, braquetes e alinhadores, podem ser confeccionados com maior refinamento em sua adaptação.

Atualmente, a produção de alinhadores dentro do próprio consultório ortodôntico está em franca expansão6. Eles são obtidos através de impressoras 3D que hoje estão ao alcance do ortodontista. Em um ciclo de produção ideal, o profissional contaria com o scanner (produzindo o arquivo STL com a reprodução digital das arcadas), os softwares para sua leitura e construção do set up virtual, e, na ponta da cadeia, a impressora 3D. Em casos simples, o planejamento pode ser realizado considerando-se unicamente a viabilidade da movimentação dentária desejada de uma perspectiva oclusal. Entretanto, casos complexos podem requerer acessórios que interajam intimamente com as estruturas ósseas, como os dispositivos de ancoragem temporária (DATs), sendo necessária não apenas a reprodução externa dos dentes e rebordos, mas também uma visão esquelética tridimensional, a qual é ricamente oferecida pela TCFC7-8.

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Com o advento dos mini-implantes ortodônticos, foram possíveis movimentações mais complexas e com baixa previsibilidade se tratadas com a mecânica ortodôntica convencional. Nestes casos, o planejamento da instalação destes dispositivos temporários deve ser minucioso. Lesões em nervos, perfurações do seio maxilar e do assoalho da fossa nasal são exemplos de complicações que podem decorrer de escolhas ou avaliações imprecisas dos sítios de inserção e da espessura óssea existente, respectivamente9. Visando evitá-las, o ortodontista pode lançar mão da TCFC para selecionar a região mais segura, bem como o acessório que apresente comprimento compatível à espessura óssea disponível10.

A disjunção maxilar ancorada em mini-implantes, por exemplo, é um procedimento que requer avaliação detalhada do osso do palato e das estruturas que por ele passam11. Nestes casos, regiões paramedianas devem ser avaliadas através do exame tomográfico. Certos pontos destas regiões apresentam densidade suficiente para que sejam aplicadas forças ortopédicas em mini-implantes ali posicionados. Entretanto, a espessura óssea palatina não é constante, passando por redução da região anterior à posterior12 (Figura 1). Além disso, características anatômicas e estruturas nobres que passam pelo palato nos sentidos vertical e látero-lateral, bem como a variabilidade existente entre as pessoas, impedem que a inserção dos acessórios seja feita com base unicamente na avaliação clínica.

Assim, a TCFC é indispensável para que, avaliando-se sagital e axialmente, sejam definidos, respectivamente, os limites anteroposteriores e látero-laterais da zona de inserção dos parafusos13. Semelhantemente, a espessura óssea não se apresenta uniforme na região vestibular dos dentes posterossuperiores, de maneira que a avaliação tomográfica também é indicada quando for necessária a inserção de mini-implantes extra-alveolares para mecânicas compensatórias e de intrusão12,14-16.

Em casos de ectopias, a TCFC é igualmente interessante. Especial destaque merece o canino superior ectópico para palatina17. A viabilidade do seu tracionamento deve ser minuciosamente avaliada (Figura 2)18. Por seu contato frequentemente íntimo com as raízes dos dentes adjacentes, é possível que reabsorções radiculares já estejam presentes antes do tratamento ou que ocorram durante a movimentação, caso não sejam evitados choques radiculares19-20. Novamente, é possível a interação entre a impressão 3D e a imagem tomográfica, uma vez que, através de um modelo prototipado confeccionado a partir da imagem tomográfica, constrói-se um acessório que se adapta perfeitamente à coroa do canino5. Adicionalmente, o modelo prototipado serve como uma referência para o cirurgião.

Hoje, a tecnologia 3D interage intimamente com o ortodontista no planejamento de casos complexos, como aqueles que necessitam de intervenção ortopédica mecânica após atingirem a maturidade esquelética, grandes compensações anteroposteriores, intrusão de dentes posteriores ou que apresentem ectopias. Ademais, a reprodução tridimensional virtual também é uma ferramenta auxiliar de comunicação que fortalece o vínculo entre profissional e paciente.

Referências

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