A importância da avaliação volumétrica condilar na Ortodontia e na cirurgia ortognática

A importância da avaliação volumétrica condilar na Ortodontia e na cirurgia ortognática

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Mauricio Cardoso e Irene Méndez Manjón detalham a aplicação clínica da reconstrução tridimensional do côndilo mandibular com base nas informações da TCFC.

Nesta matéria

  • Detalhamento da aplicação clínica da reconstrução tridimensional do côndilo mandibular com base nas informações da TCFC.
  • A adoção deste protocolo para diagnóstico e monitoramento de alterações morfológicas e volumétricas do côndilo mandibular.

Atualmente, existe um crescente interesse acerca da avaliação da articulação temporomandibular no contexto da Ortodontia e da cirurgia ortognática. Esse fato é fundamentalmente motivado pelo conhecimento de possíveis alterações posicionais e morfológicas que ocorrem na ATM após a realização de cirurgia ortognática1-3.

O estudo da frequência e magnitude dessas alterações é essencial, pois foi demonstrado que elas podem promover instabilidade pós-operatória, dando origem à recidiva4-6, disfunção temporomandibular7-8 e reabsorção condilar progressiva3,9-10. Nesse sentido, o deslocamento mediolateral (torque) foi descrito como o mais prejudicial, devido ao seu potencial de comprimir o disco articular4,11.

Vale ressaltar a necessidade de realizar estudos prospectivos que permitam estabelecer a magnitude de mudança para desencadear sintomas articulares e instabilidade pós-tratamento. Alguns estudos demonstraram que, na presença de pequenas alterações posicionais, podem ocorrer remodelação e adaptação fisiológica – sem consequências patológicas em longo prazo – para a articulação12-13.

Todavia, ainda não há evidências conclusivas que permitam identificar o limite da variação posicional necessária para induzir a remodelação fisiológica ou a reabsorção condilar progressiva.

Para responder a essa questão de grande importância na prática clínica contemporânea, torna-se necessária a aplicação de técnicas de mensuração sufi cientemente sensíveis para detectar pequenas alterações posicionais e volumétricas no côndilo mandibular. Dessa forma, o limite entre a remodelação fisiológica e a reabsorção condilar progressiva pode ser definido quantitativamente, bem como a determinação de fatores de risco pré-operatórios, como o volume condilar pequeno14, osteoartrite ou inclinação posterior do pescoço do côndilo3. Com isso, possibilita-se também a identificação precoce de processos degenerativos, podendo minimizar suas consequências em longo prazo.

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A tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) tornou-se a modalidade de diagnóstico padrão-ouro nas áreas da cirurgia ortognática e Ortodontia15. Trata-se de uma excelente alternativa quando comparada à tomografia helicoidal, com dose de radiação significativamente menor. No caso específico da articulação temporomandibular (ATM), a TCFC foi referida como a técnica de escolha em estudos acerca dos componentes ósseos da ATM, demonstrando que fornece uma acurácia superior à radiografia panorâmica e à tomografia helicoidal na detecção de erosões corticais e osteófitos16-17.

Apesar da maior confiabilidade da TCFC no estudo da morfologia condilar, alguns inconvenientes técnicos devem ser elencados. A técnica de segmentação e renderização 3D da ATM apresenta dificuldades inerentes à menor densidade óssea desta região, em comparação com o restante da mandíbula, além da sua relação de proximidade com o disco articular18. Sendo assim, várias técnicas foram descritas com o intuito de criar um método que permita gerar o volume tridimensional da ATM de forma precisa, possibilitando um estudo das alterações volumétricas condilares. A maioria destas técnicas, contudo, baseia-se no delineamento manual do contorno condilar nos cortes 2D a partir da TCFC, o que é observador-dependente e pouco reproduzível19-20. De fato, foi demonstrado que o côndilo e a porção lingual da mandíbula são as áreas mais suscetíveis a erros de demarcação dos pontos18.

Com o objetivo de estudar longitudinalmente o volume condilar e suas alterações, um trabalho21 apresentou e validou a precisão e a reprodutibilidade de uma técnica de reconstrução volumétrica semiautomática. Esta técnica foi baseada no fato de estudos anteriores terem demonstrado que a avaliação morfológica do côndilo, por meio da TCFC, mostrou maior acurácia quando realizada a partir de densidades menores do que as usualmente aplicadas no osso, definindo e validando a escala de cinza, que permite obter a reconstrução condilar mais precisa. O software atribui, por conversão, um valor de Hounsfield de 80-11717 HU (Figura 1).

De forma resumida, o protocolo21 é composto por quatro etapas (Figura 1):

  1. Orientação padronizada do crânio composto;
  2. Delimitação do volume de interesse, com isolamento do côndilo no ponto onde uma paralela ao plano de Frankfurt passa pelo ponto C20;
  3. Aplicação da escala de cinza (conversão a HU pelo software 80-11717 HU);
  4. Refinamento manual para eliminar qualquer estrutura fora da área de interesse.

Os resultados demonstraram uma excelente confiabilidade das medições volumétricas intraexaminador, com coeficiente de variação (CV) de 3,65%, coeficiente de correlação intraclasse (CCI) de 0,97 e uma boa reprodutibilidade inter-examinador (CV = 7,15%; CCI = 0,89). O tempo médio necessário para realizar o método foi de 6,31 minutos (± 2,78 minutos), significativamente menor quando comparado às técnicas anteriormente disponíveis. Quando o intervalo de cinza foi aplicado em todo o crânio, com o objetivo de testar o método, foram obtidos CV e CCI de 0 e 1, respectivamente, para o volume craniano total. Isso significa que pequenas diferenças no processo de segmentação ocorrem durante o refinamento manual e não durante o processo semiautomatizado. Isso corroboraria a tese de que quanto maior o número de intervenções necessárias do operador para a realização de um método, um erro acumulativo maior pode ser esperado.

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Além disso, este protocolo permite avaliar as perdas internas de volume, como no caso de pseudocistos/cistos subcondrais (Figura 2), diferentemente dos protocolos que geram volume tridimensional preenchendo toda a estrutura encontrada dentro do contorno condilar.

Aplicações clínicas

  1. Estudo das hiperplasias condilares e monitoramento prospectivo da evolução

As diferenças volumétricas entre os lados direito e esquerdo, em casos de suspeita de hiperplasia condilar, podem ser investigadas graças à obtenção de um volume condilar preciso. Dessa forma, uma imagem clínica mais clara e uma quantificação objetiva permitem, juntamente com outras técnicas de diagnóstico (cintilografia óssea e ressonância magnética), um diagnóstico mais preciso e a adoção de atitudes terapêuticas coerentes17 (Figura 2).

  1. Auxílio no diagnóstico diferencial de hiperplasias condilares tipo 1 de Wolford22 e osteocondromas (tipo 2)

As hiperplasias do tipo 1 se manifestam com morfologia normal, mas com a cabeça e o pescoço condilar alongados, enquanto nos casos de osteocondromas tipo 2 a morfologia encontra-se anormal. A possibilidade de reconstrução precisa do côndilo permite ao clínico um diagnóstico mais exato, auxiliando na decisão do tratamento.

  1. Planejamento de cirurgias menos invasivas

Possibilidade de realizar condilectomias com abordagem intraoral, permitidas pelo planejamento virtual, determinando o nível e a orientação da ostectomia, além de corroborar com a TCFC (em máxima abertura) possibilitando o acesso intraoral sem a necessidade de, em muitos casos, realizar a coronoidectomia (Figuras 3)23.

  1. Estudo e proservação de processos degenerativos articulares

A visualização do volume condilar facilita a detecção e a localização exata das lesões degenerativas das articulações. Sua aplicação foi descrita em estudos envolvendo uma ampla variedade de patologias, como osteoartrites24, traumas, erosões e osteófitos16.

  1. Estudo das patologias que afetam a ATM e a quantificação do volume real presente (Figuras 4 e 5)

Conclusão

Esse método é uma ferramenta precisa e reproduzível para a reconstrução tridimensional do côndilo mandibular, com base nas informações da TCFC. A adoção deste protocolo permite o diagnóstico e o monitoramento de alterações morfológicas e volumétricas do côndilo mandibular – sejam elas congênitas, degenerativas ou derivadas do tratamento, como as reabsorções condilares progressivas.

Referências

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