Ancoragem esquelética no controle vertical da correção da má-oclusão de Classe II
Julio Gurgel aborda temas básicos e essenciais para o ortodontista.

Ancoragem esquelética no controle vertical da correção da má-oclusão de Classe II

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Julio Gurgel debate o diagnóstico e a abordagem clínica da ancoragem esquelética no controle vertical para correção da má-oclusão de Classe II.


A má-oclusão de Classe II (Cl II) apresenta características dentárias e esqueléticas, sendo o posicionamento dentário variado e de baixa complexidade para os diferentes tipos de correções. Dentre os componentes esqueléticos descritos na literatura, observa-se a recorrente ênfase para a retrusão mandibular associada ou não ao menor comprimento mandibular1. As características verticais aparecem em menor número de publicações e revelam a presença de crescimento vertical excessivo em parte das amostras2.

O aumento da altura facial ou o crescimento vertical excessivo se faz mais presente na Classe II, 1ª divisão, enquanto a sobremordida profunda é mais característica da Classe II, 2ª divisão³. O posicionamento dentário vertical é de interesse durante o diagnóstico porque a extrusão de incisivos e molares pode estar presente e contribuindo para a alteração da altura facial e no aspecto estético final. Estas características verticais, assim como dos demais planos espaciais, devem ser levadas em consideração para a melhor previsibilidade do tratamento proposto.

O tratamento da Classe II é indicado quando o paciente está na curva ascendente ou no pico de crescimento estatual para melhor aquisição de efeitos esqueléticos4. Porém, a correção com os propulsores mandibulares apresenta como restrição o uso em pacientes com tendência ao crescimento vertical. O efeito esquelético dos aparelhos ortopédicos ou propulsores mandibulares revela um expressivo resultado mandibular com ênfase ao crescimento em altura do ramo e consequente aumento da altura facial anteroinferior.

De forma geral, os estudos sobre os efeitos dos aparelhos ortopédicos revelam melhora na relação anteroposterior entre maxila e mandíbula, inclinação lingual e retrusão dos incisivos superiores, intrusão e distalização dos molares superiores, inclinação vestibular e protrusão dos incisivos inferiores e extrusão e mesialização dos molares inferiores. Os ganhos verticais na mandíbula e nos molares inferiores promovem, para alguns casos, um incremento vertical significativo5. Este acréscimo vertical representa aspectos estéticos negativos no perfil facial, portanto, contraindicado no tratamento desta modalidade de má-oclusão de Classe II por meio destes aparelhos. Como os mesmos aparelhos ortopédicos ou propulsores mandibulares não mostram efeitos significantes na inclinação do plano de Frankfurt com os planos palatino e mandibular, o controle do efeito vertical para os pacientes com padrão de crescimento vertical tem sido objeto de estudo e preocupação. O uso da ancoragem extrabucal tração alta tem se mostrado muito efetivo para estes tipos de casos. Contudo, o aspecto antiestético e a falta de colaboração têm mostrado que este efeito é raramente obtido e, portanto, pouco previsível6.

Para suplantar a limitação do controle vertical no tratamento da Cl II, sugere-se o uso da ancoragem esquelética como alternativa para a correção do posicionamento vertical de molares ou incisivos7-8. Os mini-implantes ortodônticos (MIO) têm sido descritos como muito eficazes como elementos de ancoragem para vários tipos de movimentos ortodônticos. A ancoragem com MIO apresenta vantagens, como: necessita da colaboração do paciente somente com a higiene, é facilmente inserida e removida, possui dimensões reduzidas e pode ser inserida em diferentes áreas dos maxilares.

A rotação anti-horária da mandíbula é relatada no tratamento da mordida aberta anterior (MAA) por meio da intrusão de dentes associada à ancoragem com MIO9-10. A intrusão dos molares superiores melhora o trespasse vertical negativo, produz um movimento anterior do mento e diminui a altura facial anterior. A intrusão de todo arco superior, além de melhorar estes componentes esqueléticos da MAA, também melhora o sorriso gengival e o selamento labial. A extrusão dos molares inferiores pode acompanhar a intrusão de molares superiores11-12, portanto deve ser controlada durante o processo de redução da altura facial anterioinferior. Aproximadamente 50% dos pacientes com sobremordida profunda apresentam extrusão de caninos inferiores, portanto parte dos pacientes com Cl II necessita de rotação anti-horária da mandíbula e seria conveniente realizar a de intrusão dos dentes anteroinferiores13.

A alternativa de uso dos MIO para o controle vertical no tratamento da Cl II parece promissora mesmo em comparação aos resultados descritos com o uso do aparelho extrabucal de tração alta. Embora proporcione um redirecionamento do crescimento maxilar, inclusive com efeito de intrusão dos molares superiores, o extrabucal de tração alta permite a extrusão dos molares inferiores6. Este componente dentário não compromete de forma significativa a correção sagital, contudo representa certa limitação ao efeito de rotação anti-horária da mandíbula, cujo benefício é a melhoria estética para casos com deficiência de mento7.

Do mesmo modo, como descrito para o tratamento da MAA, a correção do plano oclusal maxilar permite a rotação anti-horária da mandíbula com reflexo na melhora do perfil em pacientes com deficiência de mento14. Em particular para a Cl II, recomenda-se em alguns casos a restrição da extrusão dos molares inferiores para incrementar o resultado vertical.

Para a maioria dos casos, o tratamento da Classe II realiza uma curva ascendente ou no pico de crescimento, contudo, para os casos que necessitam de expressivo controle vertical com MIO, recomenda-se o período de pico ou curva descendente do crescimento por favorecer a estabilidade primária dos MIO em virtude da maior espessura e densidade da cortical óssea. Como esta característica se apresenta mais evidente em adultos jovens15, recomenda-se os MIO extralveolares ou miniplacas para os adolescentes.

Os MIOs podem ser os inter-radiculares ou extra-alveolares. Como a estabilidade dos inter-radiculares é menor que dos extra-alveolares16,17, o controle da inclinação para vestibular dos molares pode ser feito pelo uso de barra de intrusão ancorada em MIO. Atualmente, damos preferência ao emprego de MIO extra-alveolares por não interferirem no movimento dentário e também para reduzir o risco de ter contato com as raízes inter-radiculares durante o movimento de intrusão. Ao utilizar os MIO inter-radiculares, deve-se ter o cuidado de selecionar não somente o espaço inter-radicular adequado, mas a altura que permita a geração de um vetor de força durante todo o processo de intrusão do grupo de dentes que se pretende a correção do posicionamento vertical.

O número e ponto de inserção dos MIO variam de acordo com a correção desejada. Deve-se levar em consideração o sentido e o segmento a ser movimentado. Como estamos descrevendo especificamente o tratamento da Cl II, a ancoragem esquelética se presta não somente para intrusão, mas também para a retração (Figuras 1 e 2). Os MIO na região anterossuperior têm por finalidade a intrusão dos incisivos e consequente correção do sorriso gengival.

A barra palatina de intrusão (BPI) incrementa a intrusão do segmento posterior, permitindo o controle do movimento de intrusão pela melhor distribuição da quantidade e vetor de força e controle da tendência de vestibularização gerada pela força da cadeia elástica adaptada entre o MIO e o arco metálico (Figura 2). A inserção de mini-implantes no buccal shelf (BS) é ocasional e, quando necessária, para controlar a extrusão dos molares inferiores. Os mini-implantes na BS são indicados para Classe II com MAA, casos em que é necessária a intrusão ou verticalização dos molares inferiores durante o fechamento da MAA. Nos casos com necessidade de intrusão dos incisivos inferiores, optamos pelo uso de degraus de intrusão em vez de mini-implantes na região anterior (Figura 3). Esta preferência se deve à baixa estabilidade dos MIO nesta área e também em decorrência da quantidade de intrusão ser mínima.

Para a maioria dos casos, a quantidade de intrusão é pequena, portanto pode ser facilmente obtida com os degraus, tendo o controle de extrusão dos dentes posteriores realizado pela ancoragem do BS. Também, para o arco inferior, pode ser necessária a retração para a redução da protrusão dos incisivos, neste caso os MIO inter-radiculares realizam a intrusão e retração (Figura 4).

Referências

  1. McNamara JA Jr. Components of class II malocclusion in children 8-10 years of age. Angle Orthod 1981;51:177-202.
  2. Lux CJ, Raeth O, Burden D et al. Sagitt al and vertical growth of the jaws in Class II, Division 1 and Class II, Division 2 malocclusions during prepubertal and pubertal development. J Orofac Orthop 2004;65:290-311.
  3. Schudy FF. The rotation of the mandible resulting from growth: Its implications in orthodontic treatment. Angle Orthod 1965;35:36-50.
  4. Henriques JFC, Patel MP. Má-oclusão de Classe II (conceito, etiologia-crescimento, prevalência, classificação da Classe II). In: Má-oclusão de Classe II – o desafio diário da prática ortodôntica. Maringá: Dental Press, 2019. p.19-29.
  5. Poleti TMFF, Henriques JFC. Aparelho de propulsão mandibular híbrido – Forsus™ In: Má-oclusão de Classe II – o desafio diário da prática ortodôntica. Maringá: Dental Press, 2019. p.493-514.
  6. Zervas ED et al. Change in the vertical dimension of Class II Division 1 patients after use of cervical or high-pull headgear. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2016;150:771-81
  7. Jung MH. Vertical control of a Class II deep bite malocclusion with the use of orthodontic mini-implants. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2019;155:264-75.
  8. Alves CBC, Silva MAGS, Neto JV. The use of mini-plates for the treatment of a high-Angle, dual bite, Class II malocclusion. Turk J Orthod 2019;32:52-8.
  9. Arai C, Choi JW, Nakaoka K, Hamada Y, Nakamura Y. Management of open bite that developed during treatment for internal derangement and osteoarthritis of the temporomandibular joint. Korean J Orthod 2015;45:136-45.
  10. Kuroda S, Sakai Y, Tamamura N, Deguchi T, Takano-Yamamoto T. Treatment of severe anterior open bite with skeletal anchorage in adults: comparison with orthognathic surgery outcomes. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2007;132:599-605.
  11. Scheffler NR, Proffit WR, Phillips C. Outcomes and stability in patients with anterior open bite and long anterior face height treated with temporary anchorage devices and a maxillary intrusion splint. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2014;146:594-602.
  12. Jack Burrow S 3rd. Biomechanical considerations in the correction of anterior open bite with maxillary skeletal plates. J Clin Orthod 2015;49:35-45.
  13. Uzuner FD, Aslan BI, Dinçer M. Dentoskeletal morphology in adults with Class I, Class II Division 1, or Class II Division 2 malocclusion with increased overbite. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2019;156:248-56.
  14. Erverdi N, Keles A, Nanda R. The use of skeletal anchorage in open bite treatment: a cephalometric evaluation. Angle Orthod 2004;74:381-90.
  15. Alikhani M et al. Age-dependent biologic response to orthodontic forces. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2018;153:632-44.
  16. Dalessandri D, Salgarello S, Dalessandri M, Lazzaroni E, Piancino M, Paganelli C et al. Determinants for success rates of temporary anchorage devices in orthodontics: a meta-analysis (n . 50). Eur J Orthod 2014;36:303-13.
  17. Almeida MR. Biomechanics of extra-alveolar mini-implants. Dental Press J Orthod 2019;24(4):93-109.

Na próxima edição, serão abordados mais detalhes sobre os conceitos biomecânicos e o sistema de aplicação de forças desta inovadora modalidade de controle vertical no tratamento da Classe II.