Ancoragem esquelética no controle vertical para correção da má-oclusão de Classe II

Ancoragem esquelética no controle vertical para correção da má-oclusão de Classe II

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Com relação entre tipos de força e movimentos, Júlio Gurgel debate o uso da ancoragem esquelética para a correção de diferentes casos de má-oclusão.

Nesta matéria

  • Relação entre os tipos de forças e os movimentos produzidos
  • Ancoragem esquelética para correção de diferentes casos de má-oclusão
  • Altura do gancho de retração e de inserção de mini-implantes

O ortodontista precisa ter bom conhecimento da biomecânica, pois as forças e os movimentos que atuam nos braquetes devem ser interpretados para uma melhor previsão sobre como os dentes se movimentam e para o resultado da remodelação óssea. Para o entendimento da biomecânica, é importante analisar com clareza as etapas de ocorrência e os tipos de sistemas de força.

Inicialmente, é preciso identificar os vetores de força e os centros de resistência. Não há uso de aparelhos e técnicas em comum entre os ortodontistas, contudo os fundamentos sobre as forças e os movimentos produzidos são universais. O uso racional destes fundamentos torna a movimentação dentária mais previsível e consistente.

A correção das más-oclusões utilizando a ancoragem esquelética tem se tornado cada vez mais comum devido à eficácia e por não necessitar da colaboração do paciente. Assim como em qualquer modalidade de aparelho ortodôntico, neste caso também é necessário inicialmente determinar os vetores de força, sua magnitude e direção. O centro de resistência do dente ou do grupo de dentes deve ser estipulado, lembrando que é um referencial que depende de uma série de fatores, portanto, sem precisão total1.

A correção da má-oclusão de Classe II implica no sequenciamento de etapas para a atuação em diferentes planos do espaço. Inicialmente, realiza-se a correção do plano transversal, seguido pela correção sagital e vertical. Para exemplificar, inicia-se a correção da Classe II pela expansão maxilar, quando necessária, para que o efeito da propulsão mandibular não resulte em mordida cruzada posterior. Deste modo, o expansor maxilar antecede o aparelho de propulsão, permitindo a compatibilidade das dimensões transversais da maxila e da mandíbula. Para a má-oclusão de Classe II, o componente vertical é variável e se apresenta de modo distinto para tipos diferentes desta má-oclusão. Na 1ª divisão (Cl II-1), há uma tendência de crescimento facial vertical, cujo resultado é a rotação horária da mandíbula. Na 2ª divisão (Cl II-2), observa-se maior prevalência da sobremordida.

Sendo assim, a correção da má-oclusão de Cl II-1 com o auxílio da ancoragem esquelética pode ser justificada para correção e controle do plano sagital e vertical. Na correção sagital, a ancoragem esquelética presta-se para retração de incisivos ou retração em massa do arco dentário superior. A correção vertical trata o excesso vertical da maxila por meio da intrusão dos incisivos ou também do arco dentário superior2. Como resultante desta intrusão, pode-se observar a rotação anti-horária da mandíbula com reflexo na melhora do perfil em pacientes com deficiência de mento (14). Excepcionalmente em pacientes adultos, quando presente a atresia maxilar na Cl II, a expansão maxilar pode ser realizada pelo aparelho Marpe3.

Para entender a biomecânica da proposta de tratamento da má-oclusão de Cl II-1 com o auxílio da ancoragem esquelética, é preciso inicialmente identificar os elementos que geram o sentido das forças e a magnitude dos momentos, como o número e a posição dos mini-implantes; a posição dos pontos de conexão entre o mini-implante e o aparelho fixo; a prescrição dos braquetes; a secção transversal do arco metálico; e a magnitude e duração da força empregada. Podem ser compostas várias combinações entre estes elementos, cada uma resultando em um conjunto de efeitos. Para esclarecer, será analisada uma combinação objetiva de correção nos planos sagital e vertical. Em casos clínicos nos quais o objetivo é a distalização de todo o arco dentário superior, com simultânea rotação anti-horária da mandíbula, recomenda-se o uso de seis mini-implantes, que devem ser posicionados com a seguinte justificativa: 1) dois mini-implantes inter-radiculares anteriores, para intrusão dos dentes anteriores; 2) dois mini-implantes inter-radiculares na área anterior do palato, para estabilização da barra palatina de intrusão (BPI); e 3) dois mini-implantes extra-alveolares, para retração do arco dentário superior e auxílio na intrusão do segmento posterior. As intrusões anterior e posterior realizadas pela ação conjunta dos seis mini-implantes permitem a rotação anti-horária da mandíbula (Figura 1).

Também, deve-se diferenciar os pontos importantes a serem observados para o entendimento da biomecânica utilizada nesta alternativa de tratamento: altura de inserção dos mini-implantes, altura do gancho de retração e forças de retração e intrusão.

1. Altura de inserção dos mini-implantes

a) Mini-implantes extra-alveolares inseridos na crista infrazigomática (IZC): devido à variabilidade de contorno e espessura da crista infrazigomática, o ponto de inserção do mini-implante pode variar. Para melhor controle da biomecânica, preferencialmente, a cabeça do mini-implante deve ser posicionada na altura do gancho do tubo dos molares, para permitir a retração do arco dentário superior com maior controle da inclinação radicular dos incisivos. Porém, este posicionamento reduz a eficiência da força de intrusão do segmento posterior, devido à diminuição da força gerada pelo elástico ou mola utilizada para intrusão. Sendo assim, para o efeito conjunto de retração e intrusão, a cabeça do mini-implante deve guardar determinada distância do aparelho capaz de gerar a força de intrusão, ou seja, a cabeça do mini-implante deve estar distante do aparelho fixo4.

b) Mini-implantes inter-radiculares: posicionados entre os incisivos laterais e os caninos, permitem gerar uma quantidade de força com mínimo componente de vestibularização. Podem ser posicionados na altura da linha mucogengival, pois, como têm a função de intrusão, mantêm-se distantes do aparelho para permitir a ativação em vários graus de posicionamento vertical dos incisivos durante o tratamento. Nesta altura, os mini-implantes, caso seja necessário, intruem os incisivos em quantidade suficiente para a correção da exposição de gengiva no sorriso5.

c) Mini-implantes da área palatina: devem ser inseridos na região anterior do palato, por ser a área de maior volume ósseo e maior espessura cortical. Portanto, o desenho da barra palatina de intrusão (BPI) inclui extensões posteriores com ganchos para o apoio dos elásticos em cadeia, a serem encaixados em botões linguais colados na palatina dos molares e pré-molares (Figura 2).

2. Altura do gancho de retração

Após estabelecer o posicionamento da cabeça do mini-implante, pode-se estipular o comprimento do gancho. Há três combinações de geometria e direção de força que são dependentes do comprimento do gancho. O gancho curto resulta em verticalização e intrusão dos incisivos; o gancho médio induz a retração, mantendo o torque dos incisivos; e o gancho longo promove o torque vestibular e a extrusão dos incisivos.

O gancho de retração tem a altura determinada pela intenção de intrusão ou extrusão simultânea à retração. A retração com gancho curto implica no mini-implante extra-alveolar, gerando um vetor resultante de intrusão. Durante a retração, independentemente do vetor vertical, há o vetor horizontal que pode criar o efeito indesejável de maior movimento de coroa. Para melhor controle do movimento de raiz e de coroa dos incisivos, recomenda-se o uso de fios de aço com secção retangular .019” x .025”6.

3. Forças de retração e intrusão

A magnitude da força da retração em massa do arco superior tem sido descrita com valores próximos de 200 g a 350 g, podendo ser obtida pelo uso de elásticos em cadeia e molas de NiTi. Não existe um consenso entre os autores sobre a magnitude da força para promover intrusão de molares e incisivos, em decorrência da variabilidade dos pontos de apoio e do tipo de material que gera a força.

A força de intrusão do segmento posterior varia de 150 g a 500 g, contudo não há evidências muito claras sobre a exata correlação entre quantidade de força e quantidade de movimentação dentária – isso é consequência da variedade de metodologias empregadas e também por ocorrer a quantificação da força ideal para intrusão de incisivos. Entretanto, há claras evidências de estudos em laboratório e clínicos quanto ao local de inserção dos mini-implantes na região anterior, utilizando-os como ancoragem para intrusão de incisivos. A inserção bilateral entre os incisivos laterais e caninos tem se mostrado mais benéfica para a distribuição de força entre raízes e reduzido a tendência de vestibularização dos incisivos7.

O sistema de força de distalização e intrusão simultânea aqui descrito tem o objetivo de favorecer a correção da Cl II-1 com o giro anti-horário da mandíbula. Esta sugestão de diretriz clínica é indicada para correção da má-oclusão de Cl II-1 em pacientes com padrão de crescimento vertical hiperdivergente. Para melhor controle dos resultados da mecânica principal da correção sagital, as ativações de retração e intrusão devem ser simultâneas e controladas. Nas consultas, é necessário ficar atento à melhora na relação dos caninos e na exposição da coroa dos incisivos centrais superiores para a adequada quantificação e o direcionamento das forças.

A biomecânica pode ser reavaliada mediante o resultado observado, assim a altura do gancho de retração é o modo mais fácil e comum de mudar a geometria de biomecânica. Também deve-se levar em consideração que a retração em massa do arco superior resulta em uma força de intrusão do segmento posterior e extrusão do segmento anterior, causando rotação horária do arco dentário superior. Portanto, em algumas situações, é preciso manter ativa uma força suave de controle dos incisivos, sem gerar uma força verdadeiramente intrusiva8.

Esta inovadora proposta de tratamento para a Cl II-1 com padrão facial de crescimento hiperdivergente proporciona a correção ortodôntica com pouca necessidade de colaboração dos pacientes, uma vez que a ancoragem esquelética elimina a necessidade de uso de aparelhos extrabucais e reduz o uso dos elásticos intermaxilares. Futuras pesquisas fornecerão mais subsídios sobre os efeitos e a estabilidade a longo prazo deste tipo de correção ortodôntica.

Referências

1. Saga AY, Maruo H, Argenta MA, Maruo IT, Tanaka OM. Orthodontic intrusion of maxillary incisors: a 3D finite element method study. Dental Press J Orthod 2016;21(1):75-82.
2. Paik CH, Park HS, Ahn HW. Treatment of vertical maxillary excess without open bite in a skeletal Class II hyperdivergent patient. Angle Orthod 2017;87:625-33.
3. Gurgel JA. Marpe: expandindo os limites da Ortodontia. Maringá: Dental Press, 2019. p.256.
4. Hsu E, Lin JY, Yeh HY, Chang C, Roberts WE. Comparison of the failure rate for infra-zygomatic bone screws placed in movable mucosa or attached gingiva. Int J Orthod Implant 2017;47:96-106.
5. Mo SS, Noh MK, Kim SH, Chung KR, Nelson G. Finite element study of controlling factors of anterior intrusion and torque during Temporary Skeletal Anchorage Device (TSAD) dependent en masse retraction without posterior appliances: biocreative hybrid retractor (CH-retractor). Angle Orthod 2020;90:255-62.
6. Almeida MR. Biomechanics of extra-alveolar mini-implants. Dental Press J Orthod 2019;24(4):93-109.
7. Akl HE, Abouelezz AM, Sharaby FAE, El-Beialy AR, El-Ghafour MA. Force magnitude as a variable in maxillary buccal segment intrusion in adult patients with skeletal open bite: a double-blind randomized clinical trial. Angle Orthod 2020;90(4):507-15.
8. Shih IYH, Lin JJJ, Roberts WE. Conservative correction of severe skeletal Class III open bite: 3 forces vectors to reverse the dysplasia by retracting and rotating the entire lower arch. Int J Orthod Implantol 2015;38:4-18.