As novas relações profissionais criadas pelas ferramentas digitais

As novas relações profissionais criadas pelas ferramentas digitais

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A tecnologia impactou profundamente a Odontologia e está transformando as relações entre os profissionais e os pacientes.

A pandemia acelerou esse processo e impôs novas ferramentas digitais e novas formas de comunicação. Como você tem se preparado para absorver tantas mudanças? Elas vieram para ficar ou são apenas transitórias? Esses e outros questionamentos serão abordados a seguir.

 

Uma visão global sobre as transformações digitais

As relações entre dentistas sempre foram desafiadoras, considerando a jornada de trabalho e a condição necessária de concentração nos atendimentos, a qual impossibilita a interação com outras pessoas durante o dia. Mesmo por telefone, era comum precisar falar com colegas e não conseguir porque ele estava com paciente, e quando ele retornava a ligação, o outro profissional estava atendendo. Isso podia se repetir por vários turnos de chamadas telefônicas.

As ferramentas de comunicação, redes sociais e plataformas de compartilhamento de arquivos tornaram essas interações mais fáceis e produtivas. Pode-se criar um ambiente virtual de compartilhamento de exames de um caso e todos os profissionais envolvidos no tratamento podem visualizar e incluir seus comentários, sugestões e ponderações. O melhor é fazer isso no tempo disponível de cada um, sem a necessidade de reunião, nem mesmo virtual.

É comum que protesistas ou clínicos gerais tenham dúvidas sobre a necessidade e as possibilidades do tratamento ortodôntico em seus pacientes. Nessa situação, é necessário o encaminhamento para o especialista, mas sabemos que muitos dos pacientes não chegam a comparecer na consulta e se desmotivam com o tratamento. Também há os dentistas que trabalham em locais distantes, zonas rurais e regiões carentes de especialistas.

Para resolver problemas como esses, no Reino Unido foi testado um sistema de computador para orientação de clínicos gerais para triagem de pacientes ortodônticos. O arquivo de dados resultante, contendo imagens radiográficas e informações clínicas, era transferido via internet para um especialista em Ortodontia, cujas recomendações retornavam anexadas ou, quando necessário, através de videoconferência em tempo real. Durante o teste por oito meses, seis clínicos gerais encaminharam 158 casos através do sistema, enquanto apenas 24 casos foram encaminhados diretamente a um especialista local. Os clínicos gerais consideraram mais simples as avaliações on-line, que abrangiam todos os aspectos dos casos enviados. As videoconferências não foram vistas como parte essencial do sistema, no entanto desempenharam um papel significativo no treinamento e na manutenção do entusiasmo dos participantes, sendo extremamente valiosas no fornecimento de feedback. Por exemplo, comentários sobre a má qualidade das radiografias foram feitos mais fácil e diplomaticamente durante uma discussão por videoconferência do que quando escrito.

Já em relação aos pacientes, a tecnologia tem alterado todos os processos, desde a captação e marketing até a motivação durante o tratamento. Se décadas atrás os dentistas tinham necessidade de pertencer a associações, clubes e frequentar eventos sociais para serem vistos e lembrados, hoje as redes sociais são importantíssimas para a divulgação dos profissionais autônomos.

O público mais jovem tem a sensação de mais valor quando vê profissionais com milhares de seguidores do que um outro com currículo extraordinário, mas sem conta no Instagram, por exemplo. É claro que a formação sólida fará toda a diferença na entrega do tratamento bem feito, mas tem perdido poder de atrair novos pacientes nos dias atuais.

O telefone foi a porta de entrada do consultório durante muito tempo, mas está perdendo espaço para o WhatsApp. Para o ortodontista, isso é positivo porque essa nova ferramenta possibilita o envio de arquivos, imagens e vídeos. Uma mensagem com informações, endereço com link para o Waze e um vídeo do próprio ortodontista dando as boas-vindas e fazendo as primeiras orientações tem um impacto muito interessante na diminuição de faltas às primeiras consultas.

Uma questão importante nesse tema é a teleconsulta. Já existem empresas focadas nesse segmento e que desenvolveram um sistema que utiliza a captura de imagens feitas pelo celular do próprio paciente, que são analisadas, processadas por algoritmos e ajustadas por técnicos ortodontistas da empresa para então emitir um relatório de higiene, desgaste do aparelho e andamento dos movimentos planejados. O sistema também envia mensagens de motivação ao paciente, além de orientações sobre o uso de elásticos ou troca de alinhadores. Por uma plataforma on-line, o ortodontista pode acompanhar o progresso do tratamento e agendar novas orientações, e se comunicar com o paciente.

No entanto, há algumas implicações legais quanto ao registro profissional, responsabilidade civil e tratamentos de venda direta ao consumidor, não monitorados, que ainda precisam ser abordadas quando pensamos no atendimento remoto.

A profissão de cirurgião-dentista tem seu exercício no território nacional regido pela lei 5081 – a conhecida Lei da Odontologia, datada de 24 de agosto de 1966 e assinada pelo presidente Castello Branco. Em vigor até os dias atuais, nela consta o artigo das vedações – o sétimo –, onde diz que é vetado ao cirurgião-dentista consultas mediante correspondência, rádio, televisão ou meios semelhantes. Seguindo esse parágrafo da lei, o Código de Ética Odontológica se posiciona constituindo infração ética o ato de consultar, dar diagnóstico, prescrever ou divulgar resultados por meio de telecomunicação.

Outro ponto a ser discutido é a inscrição no Conselho Regional de Odontologia, obrigatória para qualquer pessoa que queira exercer legalmente a Odontologia no Brasil. Um ortodontista que mantém seu consultório físico em uma região do País poderia atender um paciente em outra região na modalidade de teleortodontia?

O trânsito de informações confidenciais de pacientes não se limita ao Brasil. É cada vez mais comum a utilização por empresas internacionais para a confecção de setups virtuais e de alinhadores. Como os conselhos regionais são estaduais e a teleortodontia não tem fronteiras geográficas, o método de controle, regramento e fiscalização precisaria ser redefinido.

A pandemia catalisou o procedimento de digitalização dos processos entre os ortodontistas, sobretudo na educação continuada não presencial. Algo que já vinha sendo tendência saltou para uma necessidade em questão de dias. A indústria da educação precisou se adaptar rapidamente e os cursos livres também se digitalizaram. Um fenômeno que ainda não sabemos as consequências é o fato das plataformas on-line não distinguirem professores de formação daqueles que se lançaram como professores durante a pandemia. Dessa maneira, surgiram vários cursos ministrados por novos superastros da mídia digital guiados por uma fórmula de cursos on-line já muito conhecida em outras áreas e que promete riquezas em curto tempo. Entretanto, cursos já renomados também converteram suas metodologias para versões virtuais. Até mesmo os congressos foram digitalizados para atender suas agendas, mas, até o momento, não parecem ser tão atrativos como os presenciais.

Apesar de manter os mesmos palestrantes, os congressos on-line não possibilitam a interação entre profissionais para ampliar as redes de relacionamento, nem sequer possibilitam o fortalecimento das amizades e, possivelmente, não deixarão o formato convencional ser preterido. Em uma visão mais otimista para os formatos digitais, talvez tenhamos congressos mistos, com a possibilidade dos congressistas assistirem às aulas presencialmente ou remotamente.

Tanto para os ortodontistas, clínicos e professores quanto para os pacientes, esse período de efusão de soluções digitais trazidas pela pandemia foi uma grande oportunidade de experimentação. Muitas dessas soluções não foram capazes de substituir completamente as versões tradicionais e tendem a ser afastadas.

Em relação à Ortodontia, estamos passando por um processo de digitalização com os planejamentos digitais e o tratamento com aparelhos plásticos removíveis. Embora não seja a realidade da maioria dos consultórios, essa abordagem talvez tenha sido a forma de adaptação mais eficaz da especialidade nesse período pandêmico. É possível realizar consultas remotamente (com os questionamentos legais já citados), produzir os aparelhos no consultório e enviá-los para o paciente, que precisa comparecer à consulta presencial apenas poucas vezes.

Em algumas clínicas, o processo digital já é uma realidade, mas parece que ainda temos muita resistência por parte dos profissionais quando o assunto é a teleodontologia – e a velocidade de expansão da ideia tem diminuído com a redução de restrições causadas pelo maior controle da pandemia.

Administração e gestão de clínicas

As técnicas da Odontologia, assim como as exigências dos novos pacientes e dos novos nichos de mercado, evoluíram bastante. Hoje, todo dentista sabe que precisa gerir sua clínica de forma mais prática e moderna, tratando-a como uma verdadeira empresa. Por isso, é necessária uma real transformação digital em todo o consultório. A transformação digital é um processo que utiliza a tecnologia para aprimorar o desempenho, aumentar o alcance e garantir resultados melhores. É uma alteração em toda a estrutura da organização, em que a tecnologia passa a ter um papel estratégico central.

O próximo domínio necessário nesse processo é a utilização dos dados, seja de pacientes ou da clínica, que antigamente eram armazenados em grandes armários, em arquivos de papel. Em contrapartida, hoje se faz necessário que todo dado seja analisado individualmente para que melhores estratégias sejam adotadas, buscando agregar valor ao tratamento entregue. Tal tarefa não é simples, pois o profissional cuja formação acadêmica é voltada exclusivamente para os cuidados com a saúde, de repente, passa a ter que lidar com informações que envolvem análises de custos, pagamentos, fluxo de caixa, organogramas de pacientes e marketing.

Gerir todas essas tarefas administrativas demanda tempo e pode levar a erros que podem fazer com que a rentabilidade da clínica caia vertiginosamente. Para melhorar o controle, é necessário otimizar processos, sendo inevitável a adoção de um sistema de gestão integrada – e na Odontologia isso não é diferente.

Primeiramente, é importante saber que o software de gestão é um programa de computador que tem o objetivo de unir várias informações em um único lugar, além disso tem o propósito de simplificar toda a rotina do consultório odontológico. Essas ferramentas são capazes de facilitar a administração dos mais diversos departamentos, automatizando processos de trabalho, permitindo que toda a equipe se dedique ao atendimento do paciente e a tarefas estratégicas da empresa.

Esse recurso tecnológico tem como ponto comum uma interface amigável, sendo a maioria bem simples de usar. Uma melhoria bastante presente é o seu funcionamento na nuvem, fazendo com que o software seja acessado de qualquer lugar e a qualquer momento. Esses programas ainda permitem administrar a agenda dos profissionais, lembrar os pacientes das consultas, ter um prontuário eletrônico, controlar o estoque de materiais, gerar relatórios financeiros e até fazer ações de marketing odontológico – tudo baseado em dados reais e não em meras suposições.

Após a correta escolha e aquisição do sistema de gestão, os benefícios alcançados serão claros quanto à eficiência com otimização do tempo, maior controle de despesas e receitas, banco de dados dos pacientes sempre atualizados, acompanhamento mesmo à distância de todos os casos clínicos com acesso a prontuários, documentos e fotos, além de total controle de estoque sem que haja perda de insumo. Nessa era cada vez mais informatizada, os pacientes também adotam ferramentas digitais para avaliar e comparar os serviços e produtos adquiridos nos consultórios, influenciando e construindo a reputação das marcas e empresas.

De uma medida emergencial causada pela pandemia para uma necessidade de operação no mercado – isso é o que demonstra o cenário da era digital pós-pandemia. De agora em diante, a existência de múltiplos canais digitais tornou-se condição sine qua non para qualquer clínica ou consultório, bem como o próprio relacionamento com os pacientes.

É certo que a pandemia forçou uma adaptação em curto prazo. Por outro lado, foi um salto em direção à transformação digital, potencializando novas oportunidades de receita e flexibilidade para pacientes e dentistas. Vale ainda ressaltar que o comportamento do paciente muda frequentemente, portanto a transformação digital é uma jornada contínua, é um projeto que nunca vai parar.