Júlio Gurgel mostra como usar o alinhador termoplástico sem isolá-lo de outros dispositivos ortodônticos, tornando-o assim um aparelho completo.
A Ortodontia da atualidade tem aumentado de modo significante a procura pelo melhor entendimento sobre o alinhador termoplástico (AT), haja vista o expressivo número de artigos científicos, publicações nas mais diversas mídias digitais e ofertas de cursos de formação e extensão sobre este tema. Por outro lado, a procura de pacientes pelos “aparelhos transparentes” também se tornou expressiva, principalmente por parte dos adultos.
O AT surgiu há pouco mais de 20 anos como uma proposta arrojada de tratamento ortodôntico, porém exibindo um resultado restrito ao alinhamento dentário. A ideia nasceu de um usuário de contenção confeccionada de placas de acetato, que tinha a intenção de realizar um refinamento final do tratamento, portanto com a finalidade de fazer um alinhamento dentário. Assim, esta inovadora ideia foi inicialmente disseminada por ortodontistas e por clínicos gerais americanos. Atualmente, existem no mercado inúmeras companhias que disponibilizam alinhadores, inclusive algumas com propostas agressivas que ofertam a possibilidade do alinhamento dentário ser realizado pelo próprio paciente, sem ao menos uma avaliação profissional.
Esta nova modalidade de correção das más-oclusões introduziu novas terminologias e similaridades. As terminologias são, em sua maioria, ainda em língua inglesa e em parte atreladas aos produtos das companhias que confeccionam os ATs. As similaridades estão presentes nas inúmeras formas de produção, que vão desde indústrias líderes de mercado até os ATs feitos pelo próprio profissional em consultório – os conhecidos alinhadores in office ou in house. Aqui, não serão citados nomes de companhias e terminologias para não transparecer como conflito de interesse.
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Estima-se que, no mundo, cerca de dez milhões de pacientes estejam usando ou já usaram alinhador termoplástico. Esta enorme casuística permite o desenvolvimento de pesquisas, atividades de grupos de estudos profissionais e um banco de dados com feedback de pacientes. Toda esta informação tem permitido a aquisição sistemática de melhorias nos ATs.
Neste ponto, compartilho minha reflexão: em qual momento devemos considerar os alinhadores termoplásticos como aparelhos ortodônticos? Até aqui, me restringi a chamar os ATs de aparelhos ortodônticos. Conceitualmente, um alinhador termoplástico pode ou não ser considerado um aparelho ortodôntico. Dependendo da maneira como é utilizado, um conjunto de placas de acetato pode servir como alinhador dentário ou como aparelho ortodôntico.
O objetivo não é polemizar o assunto. Como ortodontistas, aprendemos que o alinhamento realizado por meio do movimento dentário descontrolado tem um alto risco de recidiva. Sendo assim, uma série de placas de acetato para serem consideradas aptas a realizar um tratamento ortodôntico deve ser associada a uma série de fatores e dispositivos.
Dependendo do grau de complexidade da má-oclusão, os AIs necessitam de outras unidades geradoras ou controladoras de movimentos ortodônticos, além da fundamental colaboração do paciente para usá-los corretamente. Portanto, o uso simultâneo de elásticos intermaxilares, dispositivos transitórios de ancoragem e acessórios ortodônticos (expansor osseossuportado, braquete, botão e power arms) torna os ATs aparelhos ortodônticos para correção das más-oclusões em diferentes graus de complexidade.
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O planejamento de um caso clínico a ser tratado com AT deve ser pensado com a mente de um ortodontista que tem a possibilidade de compreender os movimentos sugeridos pela inteligência artificial, capacidade de julgar a configuração dos elementos ativos (attachments e alterações na superfície da placa acetato) e a capacidade elástica da combinação do poliéster e poliuretano.
Também deve estabelecer o correto estagiamento dos movimentos dentários. A curva de aprendizagem é considerada um processo típico para inovações no tratamento da má-oclusão.
Contudo, é importante manter a visão de um ortodontista em busca de tratamento previsível, baseado em evidências científicas e estável. Neste contexto, deve-se aceitar o tratamento híbrido também como parte da correção ortodôntica, sem a necessidade de ser purista em utilizar somente AT, sem o auxílio prévio ou posterior de aparelho ortodôntico fixo. Agregar acessórios ortodônticos e estar apto ao uso de mini-implantes e miniplacas tornam os movimentos dentários mais otimistas, portanto reduz o intervalo de troca dos alinhadores e o tempo total do tratamento.
Em conclusão, para tornar o alinhador um aparelho ortodôntico, deve-se considerar a possibilidade de associá-lo a outros componentes do arsenal ortodôntico, sem, contudo, se esquecer de que os ATs ainda estão em franco processo de evolução – portanto, exigindo do profissional uma constante atualização clínica e científica. É essencial entender como usar o AT sem isolá-lo de outros dispositivos ortodônticos, tornando-o assim um aparelho ortodôntico completo.
Júlio Gurgel
Doutor em Ortodontia – FOB/USP; Professor assistente doutor do Depto. de Fonoaudiologia – Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, campus de Marília.
Orcid: 0000-0003-4205-0965.