A ancoragem óssea e a correção do apinhamento dentário

A ancoragem óssea e a correção do apinhamento dentário

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Mauricio Cardoso e convidados apresentam caso clínico com queixa de apinhamento dentário severo e desejo de melhorar a harmonia entre o lábio superior e inferior.

Ao longo deste ano, vamos destacar a Ortodontia com base em diagnósticos 3D que envolvam desde a ATM até as relações de todos os ossos da face. Esses ossos, especialmente os maxilares, são reformatáveis se a remodelação óssea for direcionada após um diagnóstico adequado em 3D e seguido de um planejamento consciente de que a Ortodontia não corrige apenas posições e relações dentárias, mas todo o contexto funcional e estético da face que envolve tecidos moles e ossos.

Por muitos anos, a Ortodontia elegeu a extração de pré-molares, molares e incisivos inferiores para o tratamento de apinhamentos moderados e graves, baseando-se apenas no tamanho dos dentes. Com o surgimento da ancoragem esquelética, mais especificamente das miniplacas, foi instituída uma alternativa para o tratamento dessa má-oclusão, possibilitando mecânicas com controle tridimensional e tempo de tratamento reduzido, a partir de modificações e remodelações na forma e no volume ósseo. O caso clínico apresentado a seguir exemplifica esse protocolo terapêutico.

Caso clínico

Paciente do sexo feminino, com 30 anos de idade, apresentava como queixa principal um apinhamento dentário severo e ressaltou o desejo de melhorar a harmonia entre o lábio superior e inferior, pois o inferior encontrava-se evertido (à frente do lábio superior). De fato, o apinhamento anteroinferior é uma das principais queixas que motivam o tratamento ortodôntico em pacientes adultos, devido à maior exposição dos incisivos inferiores no sorriso com o evolver da idade1.

Na análise da face, observou-se as seguintes características no frontal: simetria, boa projeção zigomática e AFAI aumentada, com presença de selamento labial passivo. Na avaliação frontal, com a paciente sorrindo, a linha de sorriso apresentava exposição do terço médio dos incisivos superiores. Na avaliação lateral, observou-se um perfil reto, boa projeção zigomática, lábio inferior evertido, sulco mentolabial e linha queixo-pescoço normais, com ângulo queixo-pescoço prejudicado pelo acúmulo de tecido gorduroso (Figuras 1A a 1C).

A avaliação da oclusão mostrou uma relação de Classe I de Andrews bilateral, com boa forma dos arcos dentários, apinhamento inferior severo e simplificação morfológica nos dentes 12, 22 e 25. Foi possível observar ainda trespasses vertical e horizontal diminuídos, desgaste na cúspide do dente 14, abfrações nos dentes 33, 34 e 44, além da presença dos dentes 28 e 38 (Figuras 1D e 1H).

Entre as possibilidades terapêuticas para o tratamento do apinhamento, as mais frequentemente utilizadas são: exodontias de pré-molares2-5, desgastes interproximais6 e exodontias de incisivos inferiores7-8.

A reconstrução panorâmica, gerada a partir da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC), confirmou a presença de angulação mesial aumentada das coroas dos dentes posteriores em ambos os arcos dentários, além da presença dos dentes 28 e 38 (dentes 18 e 48 já haviam sido extraídos), Figura 2A. A análise craniométrica tridimensional, realizada com base na TCFC, permitiu avaliar medidas angulares e lineares, assim como as características morfofuncionais da má-oclusão e ATMs.

As imagens evidenciaram que a paciente apresentava simetria esquelética, linhas médias dentárias superior e inferior coincidentes em relação ao PSM (Figura 2B), biprotrusão dentoalveolar (Figuras 2C e 2D), planos oclusais simétricos (Figura 2E), côndilos concêntricos com presença de osteófitos na vertente anterior e pontos radiolúcidos na cortical superior de ambos compatíveis com processo erosivo (Figuras 2F e 2G). Foram realizadas avaliações volumétricas nos côndilos direito e esquerdo, com valor de 1.120,64 mm3 e 1031,17 mm3, respectivamente9 (Figuras 2H e 2I).

Planejou-se uma mecânica ortodôntica assistida pela ancoragem esquelética absoluta, com a instalação de quatro miniplacas para correção do apinhamento severo, biprotrusão, melhora do perfil, adequação dos espaços para cosmética dentária e harmonia do sorriso.

A mecânica ortodôntica ancorada em miniplacas possibilita movimentos anteroposteriores de grande magnitude, diminuindo consideravelmente a porcentagem de extrações de pré-molares10. Os precursores11 expuseram ao meio científico a possibilidade de realizar um movimento de distalização no arco inferior para abrir espaço no arco dentário. A partir de então, diversos métodos e mecânicas apoiados no uso de miniplacas têm sido sugeridos para o tratamento ortodôntico10,12-21.

Pode-se realizar a distalização e o ganho de espaço nas arcadas dentárias quando as coroas dos dentes posteriores se encontram anguladas para mesial e há presença de espaço entre a face distal dos segundos molares e a borda anterior do ramo mandibular ou a distal dos segundos molares e o túber da maxila19.

Iniciou-se o tratamento com a instalação do aparelho fixo no arco superior, prescrição Ricketts Standard, slot 0.018” x 0.028” (Forestadent – Pforzheim, Alemanha). A seguir, realizou-se a exodontia dos dentes 28 e 38, e no mesmo ato cirúrgico foram instaladas duas miniplacas em forma de “T” na região dos pilares zigomáticos direito e esquerdo. O último elo situou-se entre os primeiros e segundos molares, posicionado a 4 mm de altura do tubo do molar e distância transversal de 2 mm em relação à margem gengival. Planejou-se o posicionamento sagital das miniplacas de acordo com magnitude de distalização e intrusão desejada (Figura 3A). A distância transversal da margem gengival relaciona-se à quantidade de expansão necessária, de maneira a permitir a higienização das ancoragens esqueléticas e dos acessórios usados nesta mecânica ortodôntica. O primeiro fio de nivelamento utilizado foi o 0.012” de níquel titânio, conectando-se os molares e pré-molares às miniplacas por meio de ligaduras elastoméricas com espessura 0.030” e superfície rugosa (Dentsply GAC International – Islandia/NY, EUA), com força de 450 g e angulação de 45º. Desta forma, foi possível realizar, simultaneamente, o alinhamento, o nivelamento, a correção da inclinação dentária e a remodelação óssea intrusiva22 obtida com o controle vertical proporcionado pelas ligas elásticas.

No mês seguinte, um aparelho fixo com a mesma prescrição do arco antagonista foi instalado no arco inferior e a paciente foi novamente encaminhada para o cirurgião, para que as duas miniplacas inferiores fossem instaladas na região posterior da mandíbula (em forma de “T” na cortical externa, bilateralmente), entre os primeiros e segundos molares inferiores, com o mesmo posicionamento anteroposterior e transversal das miniplacas superiores. Utilizou-se a mesma mecânica com ligaduras elastoméricas da arcada superior. Nesta fase inicial, os incisivos inferiores não foram incluídos na mecânica devido ao grande apinhamento presente (Figuras 3B a 3D).

Após cinco meses de mecânica, obteve-se o espaço no arco inferior e procedeu-se à colagem dos braquetes nos incisivos inferiores. Para a distalização, na sequência, utilizou-se os fios 0.016” x 0.016” Titanol Low Force 80 g (Forestadent – Pforzheim, Alemanha) associados aos cursores, confeccionados com fio de aço 0,60 mm (Dentaurum GmbH & Co.KG – Ispringen, Alemanha), que foram ativados às miniplacas com ligaduras elastoméricas E-Links Modules (TP Orthodontics – La Porte/IN, EUA) com intensidade de força entre 300 g e 400 g.

Nesta fase, o movimento de distalização foi potencializado mantendo-se as ligas elastoméricas de 450 g (Dentsply GAC International – Islandia/NY, EUA) para um controle vertical efetivo (Figuras 4). A força exercida pelos E-Links associados às ligas elastoméricas para controle vertical foi entre 750 g e 850 g – magnitude suficiente para proporcionar remodelação óssea, movimentação dentária, controle vertical efetivo e para anular os possíveis efeitos colaterais da perda de trespasse vertical observados nos casos de distalização extensa de dentes posteriores.

No vigésimo mês após o início do tratamento, a mecânica de distalização foi finalizada e foram instalados fios ideais 0.016” x 0.022” Blue Elgiloy (Rocky Mountain Orthodontics – Denver/CO, EUA), juntamente com molas de secção fechada, entre os caninos e incisivos laterais superiores e entre os dentes 24 e 25, mantendo-se os espaços para cosmética dentária (Figuras 5A e 5E).

A remoção dos aparelhos realizou-se no 21º mês após o início do tratamento e a paciente foi encaminhada para a remoção das miniplacas (Figuras 6).

As alterações craniométricas obtidas confirmaram os efeitos esperados da mecânica realizada, com controle vertical posterior, manutenção do ângulo interincisivo e perfil facial (Figuras 7 e 8).

Para potencializar os resultados estéticos e funcionais do tratamento, a paciente foi orientada a realizar clareamento dentário, reconstrução mesiodistal com resina composta dos dentes 12, 22 e 25, e da cúspide vestibular do dente 14, que estava desgastada (Figuras 6). Como resultado, observou-se um equilíbrio entre dentes/osso, além de um sorriso harmônico com a face, lábios e tecidos gengivais (Figuras 8).

A avaliação frontal da reconstrução em 3D mostrou que as linhas médias superior e inferior estavam coincidentes com o crânio (Figura 9A). Na avaliação da radiografia panorâmica, observou-se a correção da mesialização das coroas dos dentes posteriores e a ocupação dos espaços dos terceiros molares, reflexo do movimento distal permitido pelas miniplacas (Figura 9B). Os côndilos permaneceram concêntricos e verificou-se corticalização em ambos (Figuras 9C e 9D). Também observou-se aumento do volume condilar ao final do tratamento: o direito com 1.134,92 mm3 e o esquerdo com 1.162,76 mm3 (Figuras 9E e 9F).

Discussão

A correção do apinhamento dentário tem sido amplamente discutida na literatura, e a exodontia de pré-molares é a terapia mais frequentemente indicada5. Ao definir que a paciente apresentava uma boa harmonia facial, consideração confirmada pela análise clínica e pelos dados obtidos com a TCFC, optou-se por preservar suas características faciais e manter a posição dos incisivos no sentido anteroposterior, sem extrações de pré-molares ou desgastes interproximais. No protocolo de tratamento com ancoragem absoluta (miniplacas), o controle vertical e a precisão dos movimentos são fundamentais.

Neste caso, outras condutas para ancoragem poderiam ter sido adotadas, como a utilização de dispositivos de ancoragem temporários (DATs) extra-alveolares, considerados ancoragem semiabsoluta23. Contudo, as miniplacas (ancoragem absoluta) foram as escolhidas para este tratamento por permitirem: a) o controle vertical, neutralizando os efeitos colaterais do movimento distal dos dentes posteriores, uma vez que a paciente configurava-se como dolicofacial e apresentava grande demanda deste movimento; b) a preservação de espaços para a reconstrução dos dentes 12, 22 e 25, devolvendo forma, estética e função; c) a adoção de forças de grande magnitude, permitindo alterar o design ósseo (remodelação óssea).

Conclusão

Ficou evidente neste caso clínico que as miniplacas permitiram movimentos ortodônticos de grande magnitude e precisão, sem a necessidade de exodontias de pré-molares, desgastes interproximais, vestibularizações dos incisivos ou expansões excessivas19. Além disso, o trespasse horizontal foi corrigido e o vertical foi mantido. Houve corticalização e aumento volumétrico dos côndilos, além de melhora no perfil da paciente – com harmonização da relação interlabial em razão da manutenção do ângulo interincisivo –, mostrando-se como uma opção de tratamento nos casos de apinhamentos severos, além de possibilitar o refinamento na finalização ortodôntica com fins estéticos.

O manuseio da remodelação óssea possibilita a reformatação óssea e permite uma readequação dentária funcional associada a um redirecionamento da estética facial simultaneamente, ampliando os efeitos da Ortodontia.

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