Workflow digital: uma nova realidade bate à porta da Ortodontia
Vivemos a maior revolução que o mercado odontológico já presenciou. Agora, é preciso aplicar essa novidade na prática clínica.

Workflow digital: uma nova realidade bate à porta da Ortodontia

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Ortodontia passa de modelos de gesso para softwares de captura, planejamento e monitoramento. Entenda como aplicar esse novo workflow digital na prática clínica.


Em 2000, quando Raul Pistorello, especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial, participou do congresso da Associação Americana de Ortodontia (AAO), em Chicago (Estados Unidos), o produto de um estande chamou sua atenção: um software que possibilitava o planejamento ortodôntico digital com alinhadores transparentes. “Na época, fiquei mais empolgado com o software do que com as placas plásticas sequenciais, que hoje são mundialmente conhecidas”, relembra.

A verdade é que, de lá para cá, o mercado foi inundado por recursos tecnológicos, obrigando os profissionais a estudarem essas ferramentas para aproveitá-las ao máximo nos casos clínicos. Uma consequência desse processo foi a implementação do fluxo de trabalho digital (workflow digital), que pode ser adotado parcialmente ou totalmente, dependendo da necessidade do ortodontista.

Mauricio Accorsi, mestre em Ortodontia, reforça que o workflow digital pode ser positivo tanto para os profissionais e para a equipe como para os pacientes, pois facilita procedimentos e oferece maior precisão e rapidez aos tratamentos. “Porém, ele demanda uma criteriosa preparação, levando em conta a necessidade de investimentos em hardware, software, sistemas, redes e treinamentos. Também, é preciso incluir nesse cálculo o tempo de adaptação do dentista e da equipe aos novos processos”, explica. Isso porque, na rotina odontológica digital, há etapas e procedimentos que devem ser respeitados. Uma sugestão é organizar o workflow digital do cotidiano clínico da seguinte forma:

  • Consulta inicial e exames complementares;
  • Diagnóstico e planejamento;
  • Apresentação de propostas terapêuticas;
  • Fabricação e instalação dos dispositivos ortodônticos e ortopédicos;
  • Acompanhamento da evolução do tratamento;
  • Finalização, contenção e monitoramento pós-tratamento.


Diagnóstico e planejamento digital

O workflow digital começa na primeira consulta, fazendo o escaneamento intraoral do paciente após a anamnese e conversando sobre suas queixas e expectativas. Enquanto o software carrega os modelos digitais, é possível fazer fotos intra e extraorais para registrar o caso e também vídeos para analisar os movimentos funcionais e a dinâmica do sorriso.

Uma das grandes vantagens desse sistema de trabalho é incluir o paciente no processo de planejamento e decisão. “Sempre o convido para ver os modelos digitais na tela do scanner. Mostro e discuto as necessidades odontológicas e ortodônticas, e alguns ficam surpresos com a possibilidade de simular em minutos o alinhamento e nivelamento dos dentes. Essa visualização imediata cria um forte desejo de consumo e encoraja o paciente a seguir o tratamento”, descreve Pistorello, ao mencionar que também faz a análise das fotografias da face e do sorriso em telas grandes, discutindo os interesses, as necessidades e as possibilidades de melhorias.

Mauricio Accorsi destaca que nesse momento inicial a sistematização centraliza e organiza os processos de workflow digital. Desde a primeira consulta, os dados cadastrais e clínicos podem ser armazenados em sistemas de controle de informações, que podem operar em conjunto com plataformas de comunicação e arquivamento de imagens, os chamados Pacs (Picture archiving and communication system). “Quando o ortodontista solicita exames complementares digitais – como modelos (.stl), fotos (.obj) e tomografias (Dicom) –, os centros de diagnóstico de imagens conseguem fazer o upload dos arquivos nos Pacs, que podem ser acessados em tempo real para download, sem a necessidade do envio de arquivos físicos. Além disso, os radiologistas também possuem acesso a essas plataformas, o que agiliza o envio dos laudos”, explica. Portanto, o workflow digital oferece acurácia, precisão, maior nível de detalhamento e quantidade maior de informações em relação aos exames físicos, modelos de gesso e técnicas radiográficas convencionais.

Durante o planejamento e diagnóstico, o ortodontista tem a opção de verticalizar todo o processo (full in-house), terceirizar (full outsourcing) ou trabalhar de forma combinada entre os dois. Mauricio Accorsi explica que o full in-house exige grande investimento para aquisição de scanner intraoral, computadores, impressoras 3D, estampadoras, soldas a laser, insumos, acessórios e instrumentais. Também é preciso destinar uma área específica da clínica ou do laboratório para a fase de setup e outra para a produção (impressão, estampagem e acabamento). “Nesse caso, a mão de obra é extremamente sensível e necessita de alto nível de trabalho colaborativo, além de elevado senso de organização em função da quantidade de arquivos digitais, modelos físicos, alinhadores e demais dispositivos, como guias de colagem indireta, que podem facilmente se perder durante o processo”, pondera.

Para os profissionais que querem optar pelo full outsourcing, Accorsi recomenda que conheçam todos os sistemas disponíveis no mercado brasileiro antes de fazer a escolha final. Em relação à abordagem combinada de full outsourcing e full in-house, o investimento deve considerar uma solução de software eficiente e viável economicamente, já que isso resultará em independência para realizar o setup desde as fases iniciais e ainda facilitar a comunicação com os clientes, auxiliando na conversão dos casos e na comunicação com os membros de uma equipe interdisciplinar, quando for o caso. Entretanto, a confecção de setups virtuais demanda tempo do profissional e o processo de aprendizado é bastante variável.

Também existem várias plataformas disponíveis on-line, que podem ser uma solução intermediária especialmente para consultório e clínicas de menor porte. “Mas, eu sempre aconselho centrar o investimento na solução de software, terceirizando a obtenção do modelo digital em centros de diagnóstico por imagens e a produção dos alinhadores”, argumenta Mauricio Accorsi.

Nessa etapa, a multidisciplinaridade pode colocar o ortodontista em destaque, já que geralmente os objetivos ortodônticos precisam ser alinhados com profissionais de outras áreas da Odontologia. “Muitos deles ainda não fazem planejamento digital e, por isso, podemos assumir esse papel e fazer a diferença”, afirma Pistorello. Ele acrescenta que gosta de trabalhar com duas telas grandes lado a lado: uma com os modelos digitais abertos no software de manipulação digital e outra para explorar as imagens relevantes, como fotos do sorriso e radiografias. “Nos casos com alinhadores fabricados por empresas, participo ativamente de toda a elaboração do plano de movimentação digital, escolha de attachments, quantidade e localização de desgastes interproximais, posicionamento final dos dentes e formulação do setup final e dos subsetups intermediários, bem como o número de alinhadores”, elucida.


Apresentação da proposta terapêutica

Pistorello considera a segunda consulta – que pode, inclusive, ser on-line – ainda mais importante que a primeira. “Nessa nova conversa, detalho e apresento a proposta terapêutica de maneira visual, utilizando os modelos e setups digitais, mostrando a movimentação dentária, realizando comparações e sobreposições, descrevendo os recursos e aparelhos que serão empregados e dando uma estimativa mais precisa de tempo de tratamento. Nos casos em que há mais de uma opção terapêutica, a visualização dos distintos resultados e a descrição das vantagens e desvantagens é fundamental para a escolha consciente da alternativa a ser executada”, explica.

A Ortodontia Digital, através do workflow digital, impactou fortemente a maneira como os aparelhos são selecionados, confeccionados e instalados. A fabricação e a impressão das guias em resina flexível podem ser facilmente delegadas a centros de planejamento e impressão. Para os consultórios, um equipamento importante para o workflow digital é a impressora 3D. Equipamentos de tamanho reduzido com tecnologia de impressão tipo DLP (digital light processing) e SLA (estereolitografia) e que atendem às necessidades de um pequeno consultório já podem ser encontrados no mercado com boa relação custo-benefício.

Pistorello alerta para a relação entre expectativa e realidade: “É preciso entender que os setups intermediários e final não representam necessariamente o posicionamento dos dentes, mas sim a forma dos alinhadores. Os planejamentos digitais devem ser bem elaborados para criar sistemas de forças capazes de conduzir os dentes ao posicionamento desejado, seja exclusivamente com os plásticos ou utilizando recursos auxiliares. Essa percepção é fundamental para conseguir bons resultados sistematicamente”, alerta.

Acompanhamento da evolução do tratamento com alinhadores

Alguns softwares permitem que sejam feitas comparações entre o posicionamento clínico dos dentes e etapas intermediárias do planejamento digital. “Embora bastante útil, pode decepcionar os menos experientes, que podem não entender bem que a posição intermediária dos dentes (subsetup) representa apenas a forma dos alinhadores.

Clinicamente, os dentes poderão estar aquém do planejado, o que não significa necessariamente um erro ou falha do tratamento, desde que as modificações e sobrecorreções tenham sido planejadas adequadamente”, conta Raul Pistorello. Outra opção valiosa desse mesmo software é a ferramenta TimeLapse, com a qual visualiza-se em vídeo e compartilha-se com o cliente as modificações de posicionamento dentário. De maneira geral, a premissa dessa etapa do tratamento é realizar um escaneamento intermediário. “Em seguida, podemos dar sequência ao tratamento ou modificá-lo inserindo recursos auxiliares – ou até mesmo refazer o planejamento digital e solicitar novos alinhadores”, explica Pistorello.

Finalização, contenção e monitoramento pós-tratamento

Da mesma forma que na avaliação intermediária, o escaneamento ao final do tratamento permite a comparação com o planejado e uma avaliação crítica do posicionamento dos dentes – seja nos tratamentos com alinhadores ou com braquetes e fios. “É como realizar moldagens para visualizar em detalhes as necessidades de finalização, com a possibilidade de avaliar também as relações dentárias por uma vista lingual, o que não é possível clinicamente ou com fotos. Gosto muito de mapear e visualizar digitalmente os pontos de contato e detectá-los em boca com papéis de articulação, pois permitem identificar as necessidades de pequenos ajustes oclusais, dobras de finalização, reposicionamento de braquetes, uso de elásticos para intercuspidação ou solicitação de novos alinhadores para o refinamento da oclusão”, explica Pistorello.

Dado por encerrado o tratamento, realiza-se o escaneamento das arcadas e os arquivos STL vão para o laboratório – que irá imprimir os modelos e confeccionar os dispositivos de contenção removíveis ou fixos. “No caso dos braquetes vestibulares ou linguais, uma grande vantagem é já termos no dia da remoção dos aparelhos as contenções removíveis ou fixas prontas, uma vez que é possível remover digitalmente os braquetes dos modelos digitais. Isso implica em uma consulta a menos e minimiza a chance de haver alguma modificação no posicionamento dos dentes caso exista um espaço de tempo grande entre o dia da remoção dos braquetes e o dia da instalação dos dispositivos de contenção”, detalha Pistorello.

Um protocolo comum é realizar uma avaliação semestral dos casos pós-tratamento, incluindo o escaneamento durante as consultas para avaliar pelo menos três alterações importantes: presença ou aumento de desgastes dentários, formação ou piora de recessões gengivais e as alterações no posicionamento dos dentes. “O mapeamento dos pontos de contato também é importante para identificar melhorias na intercuspidação ou presença de contatos inadequados. Essas avaliações passam a ser menos subjetivas e os pacientes percebem o valor das consultas pós-tratamento, aumentando a chance de seguirem os protocolos estabelecidos para este monitoramento de longo prazo”, expõe Pistorello.

Sugestões de leitura

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