Mauricio Cardoso e convidadas apresentam caso clínico em que a principal queixa da paciente era apinhamento dentário severo e mordida aberta anterior.
O tratamento das más-oclusões do padrão face longa sempre foi um desafio para o ortodontista. A mordida aberta pode ou não estar presente – mesmo sendo considerada exceção nestes pacientes. Ela aparece em 18% do casos1, graças à compensação dentoalveolar no sentido vertical em resposta a um padrão de crescimento desfavorável. Em pacientes adultos padrão face longa, quando há mordida aberta anterior esquelética (MAAE), o desafio do ortodontista é ainda maior2-3. Embora as terapias convencionais apresentem bons resultados, o prognóstico deve ser medido pela estabilidade em longo prazo. O padrão-ouro para o tratamento dessa má-oclusão consiste na terapia ortocirúrgica, entretanto a ancoragem óssea, especialmente com as miniplacas, surgiu nesse contexto como uma alternativa eficaz para o tratamento da MAAE, com bons resultados e potencial de estabilidade4-9.
Caso clínico
Paciente do sexo feminino, com 27 anos de idade, apresentava como queixa principal apinhamento dentário severo e mordida aberta anterior. De acordo com seu relato, isso comprometia a função mastigatória por haver oclusão apenas na região posterior (pré-molares e molares).
Na análise da face, foram observadas as seguintes características na avaliação frontal: simetria, projeção zigomática deficiente e AFAI muito aumentada, com selamento labial forçado. Na avaliação frontal, com a paciente sorrindo, o corredor bucal mostrou-se aumentado, a linha média superior estava bem posicionada e a linha média inferior estava desviada para a direita, o arco do sorriso estava invertido e a linha do sorriso era baixa, permitindo exposição apenas do terço incisal e médio dos incisivos. Na avaliação lateral, observou-se um perfil convexo, projeção zigomática deficiente, lábio inferior evertido, sulco mentolabial raso, linha queixo-pescoço curta e ângulo queixo-pescoço aberto (Figuras 1A a 1C).
A avaliação da oclusão mostrou uma relação de Classe II bilateral: 1/2 Classe II no lado direito e Classe II completa do lado esquerdo, com atresia dentoalveolar superior, apinhamento severo nas arcadas superior e inferior, trespasse vertical negativo e horizontal consideravelmente aumentado, além da ausência do dente 47 (Figuras 1D a 1H).
A análise craniométrica 3D, realizada com base na tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC), possibilitou elaborar um diagnóstico e planejamento mais assertivo, com medidas angulares e lineares, estudo da simetria facial, avaliação das vias respiratórias e análise morfofuncional das articulações temporomandibulares. Esse exame evidenciou que a paciente apresentava simetria esquelética, linha média superior coincidente com o PSM, linha média inferior ligeiramente desviada para a direita (Figura 2A), excesso de crescimento vertical posterior da maxila – com consequente plano oclusal reto, sem paralelismo com o plano de Camper (Figura 2B) –, trespasse horizontal muito aumentado, diferença muito significativa entre os pontos A e B (Figura 2C), e côndilos sadios (ausência de processos degenerativos) com presença de corticais íntegras (Figura 2D). Na reconstrução 3D da radiografia panorâmica, observou-se ausência do dente 47 e falta de espaço para distalização superior na região de túber na distal dos dentes 17 e 27 (Figuras 2E e 2F).
O planejamento ortodôntico considerou a necessidade de extrair os dentes 17, 27 e 37 para obter espaço na região posterior e permitir o movimento distal dos dentes posteriores para corrigir o apinhamento severo em ambos os arcos dentários. A possibilidade de extração de segundos molares ganhou força ao considerar-se a ausência do dente 47, medida efetiva para ganhar espaço e corrigir o apinhamento presente. Tal providência permitiu colocar os incisivos dentro de suas respectivas bases ósseas e evitou que ocorresse a vestibularização desses elementos. Além da distalização, foi planejada a intrusão dos quatro quadrantes, mecânica assistida por ancoragem óssea absoluta, com a instalação de quatro miniplacas: duas superiores posteriores (na região de crista infrazigomática na maxila) e duas inferiores posteriores (na mandíbula), Figura 3.
A mecânica ortodôntica ancorada em miniplacas possibilita, simultaneamente, o controle dos movimentos ortodônticos nos três planos do espaço e aumenta as possibilidades de realizar movimentos de grande magnitude. Esse recurso foi primeiramente descrito em 198011 e, a partir disso, vários relatos12-18 foram publicados, enaltecendo-o como uma alternativa eficaz para o tratamento de casos complexos. Em adultos, a mecânica para impacção maxilar por meio de ancoragem óssea é uma técnica simples e tão eficaz quanto a cirurgia bimaxilar8,12, com resultados satisfatórios e estáveis no tratamento da MAAE com trespasse médio de até -5,2 mm12.
O tratamento ortodôntico foi iniciado com a instalação do aparelho fixo prescrição Ricketts Standard, slot 0.018” x 0.028” (Forestadent – Pforzheim, Alemanha) nas arcadas superior e inferior. A paciente foi encaminhada para o cirurgião e, no mesmo ato cirúrgico, realizou-se a exodontia dos segundos molares (dentes 17, 27 e 37) e a instalação das miniplacas nos quatro quadrantes. As miniplacas foram posicionadas entre os pré-molares e os primeiros molares na mandíbula, e na distal dos primeiros molares na maxila. Na maxila, as miniplacas foram instaladas com os seus respectivos ganchos a uma distância de 7 mm dos tubos dos primeiros molares, para possibilitar a intrusão e remodelação óssea do segmento posterior, distando transversalmente entre 2 mm e 3 mm, para favorecer a expansão do arco superior, que apresentava atresia dentoalveolar.
O primeiro fio de nivelamento utilizado foi o 0.012” de níquel titânio e, desde o início da mecânica, conectou-se os dentes posteriores às miniplacas para ativar a intrusão e distalização com ligaduras elastoméricas de espessura 0.030” e superfície rugosa (Dentsply GAC International – Islandia/NY, EUA), visto que elas possibilitam amarrar a ligadura com força de 450 g e angulação de 45°. Considerando o apinhamento existente, nesta fase inicial não foram incluídos os incisivos inferiores e os incisivos laterais superiores na mecânica, para não causar uma vestibularização indesejada.
Depois de 30 dias do início da mecânica, o nivelamento evoluiu para fios 0.016” x 0.016” low force 80 g (Neo Sentalloy, Dentsply GAC International – Islandia/NY, EUA) – fase em que foram instalados os cursores (sliding jig), confeccionados com fio de aço 0,60 mm (Dentaurum GmBH & Co.KG – Ispringen, Alemanha). Para realizar a distalização dos quatro quadrantes, potencializar a mecânica e ganhar espaço para o alinhamento dos dentes anteriores, os cursores foram ativados às miniplacas com ligaduras elastoméricas e-links Modules (TP Orthodontics – La Porte/IN, EUA). Simultaneamente, prosseguiu-se com a mecânica intrusiva de todos os segmentos posteriores (molares e pré-molares) empregando ligaduras elastoméricas em cadeia Ormco (Ormco Corporation – Califórnia, EUA), Figuras 4.
A mecânica de distalização foi potencializada com o uso de cursores e ligas elastoméricas para intrusão posterior (magnitude de força entre 750 g e 850 g), ganhando espaço para a colagem dos incisivos superiores e inferiores. Desta forma, deu-se continuidade ao tratamento que evoluiu com os fios 0.016” x 0.016” e 0.016” x 0.022” titanol low force 120 g (Forestadent – Pforzheim, Alemanha) superior e inferior, sempre associando a ativação para intrusão dos dentes posteriores com ligas elastoméricas às miniplacas e aos cursores com e-links.
No 20º mês após o início do tratamento, já era possível observar a reformatação óssea na maxila: a mecânica de distalização e intrusão havia sido finalizada. Nessa fase, foram instalados fios 0.016” x 0.022” Blue Elgiloy (Rocky Mountain Orthodontics – Denver/CO, EUA) associados a um cantiléver do lado direito, para melhorar o plano oclusal inferior na região anterior (Figuras 5). No último controle que precedeu a remoção dos aparelhos, 24 meses após o início do tratamento, a oclusão era satisfatória, ocasião em que foi colocada a ligadura elastomérica em cadeia do dente 35 ao dente 43 (Ormco Corporation – Califórnia, EUA) para fechamento de diastemas residuais (Figuras 6).
A remoção dos aparelhos aconteceu no 26º mês após o início do tratamento e a paciente foi encaminhada ao cirurgião para retirar as miniplacas. As alterações esperadas – faciais, craniométricas e dentárias – foram obtidas e, como resultado, observou-se um equilíbrio entre dentes e bases ósseas, remodelação óssea do segmento posterior de maxila, sorriso harmônico com a face, além de oclusão e trespasses vertical e sagital adequados e funcionais (Figuras 7). A fim de corrigir a discrepância de tamanho dentário, a paciente foi encaminhada a outro profissional para realizar a reanatomização dos dentes 12 e 22.
Ao final do tratamento, a tomografia comprovou os ganhos obtidos com a mecânica ortodôntica realizada. A avaliação frontal da reconstrução 3D mostrou que as linhas médias superior e inferior estavam coincidentes com o plano sagital mediano esquelético (Figura 8A). Na imagem sagital da reconstrução 3D, é possível observar o equilíbrio do perfil da paciente e dos terços da face, após mecânica de intrusão dos segmentos posteriores, além do paralelismo do plano oclusal em relação ao plano de Camper (Figura 8B). Os côndilos se mantiveram corticalizados, sem processos degenerativos (Figura 8C).
Discussão
Em adultos, o manejo ortodôntico associado à cirurgia ortognática tem sido considerado o padrão-ouro de tratamento para as más-oclusões do padrão face longa com mordida aberta esquelética, por meio do qual pode-se obter a estética desejável, estabilidade e função em longo prazo1,12-13. Nos últimos anos, a ancoragem óssea vem sendo amplamente utilizada como tratamento alternativo e efetivo, com potencial de evitar, em muitos casos, a cirurgia ortognática19-20.
Os dispositivos de ancoragem óssea mais utilizados são os mini-implantes e as miniplacas. Os mini-implantes, em razão da ausência de controle biomecânico nos três planos do espaço, fornecem uma ancoragem subabsoluta, diminuindo assim a possibilidade de movimentos simultâneos nos casos de alta complexidade. Diferentemente deles, as miniplacas fornecem uma ancoragem absoluta, característica que as tornam um dispositivo diferenciado na solução de casos complexos e na redução do tempo de tratamento4,18,20. Se instaladas em áreas com melhor qualidade óssea e distante dos ápices radiculares18, as miniplacas proporcionam maior controle de movimentos ortodônticos complexos nos três planos do espaço, ao permitir que sejam executados de forma simultânea14,18,20-21. No caso relatado, por se tratar de uma mordida aberta esquelética de grande magnitude, a ancoragem com miniplacas possibilitou uma mecânica ortodôntica sem a necessidade de cirurgia ortognática.
Um dos tópicos mais polêmicos no tratamento da má-oclusão de mordida aberta esquelética é a estabilidade em longo prazo. A mecânica com miniplacas atua na correção do excesso vertical posterior, evitando o uso de elásticos e procedimentos mais invasivos que possam alterar o equilíbrio muscular e articular do paciente. Nesses casos, a estabilidade torna-se um fator primordial para a escolha da mecânica, pois preserva as estruturas dentárias e articulares, e permite obter equilíbrio facial.
Considerações finais
Indiscutivelmente, as miniplacas surgiram no contexto atual como um dispositivo de ancoragem óssea eficaz para tratamentos complexos, que anteriormente só seriam corrigidos por meio da cirurgia ortognática. No caso clínico apresentado, foi possível observar a correção dos trespasses vertical e horizontal, obtida por meio da mecânica de intrusão de todos os segmentos posteriores associada à distalização para correção da Classe II e obtenção de espaços para o alinhamento dos dentes anteriores. A remodelação óssea permitiu um giro anti-horário da mandíbula e consequente redução da AFAI.
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21. Silva E, Meloti F, Pinho S, Cardoso MA, Consolaro A. Biomecânica com miniplacas. Rev Clin Ortod Dental Press 2018;17(3):17-34.
Coordenador:
Maurício Cardoso
Mestre e doutor em Ortodontia – Unesp Araçatuba; Presidente do P-I Brånemark Institute, em Bauru (SP); Professor dos programas de especialização, mestrado e doutorado – SLMandic, Campinas (SP).
Orcid: 0000-0002-6579-7095.
Autoras convidadas:
Maila Izabela Pêsso Portes
Mestra e doutoranda em Ortodontia – SLMandic; Professora do curso de especialização em Ortodontia – IOA.
Orcid: 0000-0002-1615-7470.
Daniela Maria Ribeiro Sanches
Mestranda em Ortodontia – SLMandic.
Orcid: 0000-0002-1446-7192.