Quando a praia de nudismo mudou os rumos da Odontologia
O Xará quis se sentir em contato direto com as belezas naturais. (Foto: acervo pessoal)

Quando a praia de nudismo mudou os rumos da Odontologia

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Celestino Nóbrega relata a experiência de um amigo em uma praia de nudismo e faz um alerta: “estamos vivendo a década mais bizarra da Odontologia”.

A linha editorial desta coluna teve mudanças substanciais a partir de 2021, tendo um direcionamento mais tecnológico e menos informal. Alguns títulos das colunas de 2019 e 2020 denunciam a aparente falta de seriedade, tais como “Tampa de privada”, “O incrível caso do morcego que bateu asas como uma borboleta” e “A banheira do Gugu”.

Porém, estou me valendo de um subterfúgio do prazo de entrega curto da coluna para voltar ao tom lacônico de dois anos atrás. Quando escrevi sobre a banheira do Gugu, eu quis fazer uma referência às bizarrices dos anos 1990.

Nos anos 1980, fiz uma amizade – que dura até hoje – com um figuraça que tem o apelido de Xará. Claro que ele não se chama Celestino como eu, pois os pais dele não tiveram criatividade suficiente de nomeá-lo como Celestino. Aliás, meu nome é de fato interessante.

Tenho o mesmo nome de meu pai, que por sua vez foi nomeado em homenagem ao seu avô italiano, ou seja, o “bom gosto” na escolha parece ser tradicional na minha família. Logicamente que nenhum de nós tem a oportunidade de escolher seu próprio nome ao nascer, o que reforça a minha teoria de que temos poucas oportunidades de escolha em nossas vidas. E quando a temos devemos usar de muita sabedoria. A escolha da profissão, dos amigos, de cônjuge deveria ser calcada em sabedoria, e não em emoções transitórias e inerentes à imaturidade que nos cerca quando da época em que temos de fazê-la.

O curioso é que tenho ascendência libanesa e armênia por parte de minha mãe. Agora, imagine a situação de quando vou para o Líbano – pois dou aulas na American University of Beirut – e preciso explicar aos colegas que tenho família no Líbano. Celestino? Talvez do Nordeste do Líbano? Pessoas às vezes me chamam de Severino, Constantino. E aqui nos Estados Unidos? Quando vou a Starbucks e perguntam o meu nome, eu geralmente digo Joe, Jack ou algo bem simples. Por este motivo, adoro ir a Starbucks no Brasil. Algumas vezes eles entendem meu nome.

Meu nome não me incomoda, absolutamente. Gosto muito dele, pois é incomum e tenho bastante orgulho. Porém, na Itália é um nome razoavelmente comum. E meus amigos italianos não perdem a chance de me sacanear. O Papa Celestino V não é conhecido por ter vivido um primor de bom comportamento: ele foi o pioneiro a renunciar ao episcopado, dando um tombo no então Imperador Carlos II de Nápoles e vendendo o título de Papado para o Cardeal Benedetto Caetani. Após ter sido eleito aos 85 anos de idade, literalmente chutou o balde, fez fortuna e morreu em virtude de um abscesso dentário. A conexão foi feita: de Celestino para Celestino. Para meu alívio, o Papa Celestino V foi canonizado pelo seu sucessor, como parte do acordo.

Voltando do século 14 para os anos 1990, acho interessante que aqueles que, como eu, vivenciaram esta época não se deram conta de quão bizarra ela foi. Somente muitos anos depois é que pude perceber que coisas que hoje são abomináveis povoavam nosso dia a dia com a maior naturalidade, tais como cigarrinhos de chocolate, Carla Perez apresentadora de programa cultural, crianças levando revólveres de espoleta para brincar no recreio, a porta dos desesperados do Sérgio Mallandro etc.

Tenho a nítida impressão de que o mesmo se passa neste momento, não estamos concatenando o fato: estamos vivendo a década mais bizarra da Odontologia. Vejam só que interessante: meu amigo Xará esteve visitando a Paraíba, estado paradisíaco do Nordeste do Brasil, e me convidou para irmos juntos. Resolveu visitar uma famosa praia de naturismo e assim poder se sentir em contato direto com as belezas naturais daquele paraíso de águas calmas e transparentes, e areia branca.

O Xará se parece muito com o Bin Laden, mas minha mãe o acha lindo, o que me deixa desconfiado quando ela elogia a minha beleza para as amigas. O Xará é maratonista e apresenta um físico de faquir indiano.

Eu resolvi ir junto com ele, mas juro pelo Papa Celestino V que me limitei a ficar no portãozinho de entrada. Ali ficava um senhorzinho local muito simpático e bem vestido, que devidamente dava instruções muito bem decoradas, com uma cadência verbal parnasiana e compassada. Instruções de como se portar naturalmente, cuidar do próprio comportamento no cuidado ao admirar as “paisagens naturais”, cuidados com a fauna e flora locais sabidamente altamente alergênicas, tipo água-viva nas partes íntimas etc. O Xará adentrou ao paraíso com certa naturalidade, mas a imagem daquela figura esquálida desnuda sumindo no horizonte e observada por uma retroperspectiva ainda povoa meus pesadelos até hoje.

Fiquei ali no portãozinho de entrada por umas duas horas (tendo o Papa Celestino V como testemunha) até o Xará voltar, lépido e fagueiro com a curiosidade satisfeita, relatando com um certo travo de terror no olhar que não havia visualizado apenas anjinhos barrocos, mas tivera a possibilidade de conhecer um pescador local de nome Nelson, conhecido pela alcunha de “Clarineta”.

Foi ali naquele momento mágico que aquele senhor, do alto de sua experiência de anos como guardião dos pudores da praia de nudismo, interpelou o Xará e falou: “Meu caro visitante, eu nunca tinha visto uma bunda tão feia em mais de 20 anos!”.

E foi assim que o Xará começou a pesquisar por profissionais que dominam a técnica de toxina botulínica: harmonização de glúteos, os encontrando facilmente na internet oferecidos por uma empresa da área de educação em Odontologia. Anos bizarros.