Doping tecnológico

Doping tecnológico

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O uso de doping sempre foi um fator repudiado no esporte. Será que este conceito pode ser aplicado à Odontologia?

A Agência Mundial Antidoping (Wada, em inglês) é bastante conhecida por sua luta contra as trapaças originadas pelo uso de drogas ilícitas nas mais diversas modalidades esportivas. Porém, suas atribuições também abrangem equipamentos esportivos, e a Wada tem a prerrogativa de sugerir que o órgão regulador de um determinado esporte proíba um item específico, caso seja considerado “contra o espírito do esporte”.

Como a maioria dos kits é projetada para melhorar o desempenho dos atletas, muitos itens caem em uma área cinzenta, como o maiô LZR Racer da Speedo. O traje comprido usa texturas baseadas em pele de tubarão para aumentar a flutuabilidade. Nas Olimpíadas de Pequim (em 2008), 23 dos 25 recordes de natação quebrados vieram de atletas usando o LZR Racer. O processo foi proibido em 2009 pela Fina (Fédération Internationale de Natation), órgão regulador da natação.

Em outubro de 2019, o queniano Eliud Kipchoge fez o que nenhum ser humano havia feito antes: correu uma maratona em menos de duas horas. Seu tempo (1h59min40s) veio por meio de uma velocidade média de 21,18 km/h (tente isso por 30 segundos na próxima vez que estiver em uma esteira).

Alguns argumentam que o recorde não oficial é parcialmente derivado dos tênis Nike Alphafly que ele estava usando. “O tênis que mudou as corridas”, como chamou o cientista esportivo Dr. Ross Tucker, contém tecnologia projetada para fornecer maior retorno de energia e velocidade. Graças a uma ideia que reúne um trio de placas de carbono e uma sola intermediária inovadora, estudos revisados – embora financiados pela Nike – afirmaram que o calçado serviu para aumentar em 4% a eficiência de corrida e cerca de 3,4% da velocidade.

Mas a história não termina aí. A Nike lançou uma versão alterada, o Vaporfly, que segue os novos regulamentos e ocupou 31 das 36 posições do pódio nas principais maratonas de 2019. Os proponentes elogiam a inovação da Nike, já os críticos dizem que é doping tecnológico.

Recentemente, todos nós dissemos adeus às Olimpíadas de Tóquio e parabenizamos os atletas que tiveram a oportunidade de competir. Não posso deixar de me perguntar no que os atletas estão pensando enquanto voltam para casa. Estes seres humanos de alto desempenho esportivo são competidores disciplinados que precisam desfrutar do processo de melhoria contínua, em uma corrida frenética que se inicia imediatamente à cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos. Eu gostaria de pensar que os atletas estivessem em uma praia tomando uma bebida refrescante com suas famílias após uma batalha física e mental de quatro anos. Porém, estou certo de que eles e seus treinadores, já no voo de volta para casa, começaram a traçar suas estratégias para os próximos Jogos Olímpicos na França.

No entanto, por qual motivo os ortodontistas devem se preocupar com a proibição dos tênis Nike nas Olimpíadas de Tóquio? A maioria dos ortodontistas tem como missão primordial a obtenção de uma maior eficiência, que é alcançada por um especialista quando ele se torna mais preciso, tem mais controle sobre diversas situações desafiadoras e utiliza as melhores ferramentas possíveis para o trabalho.

Nós, ortodontistas, também somos, portanto, profissionais de alto desempenho e estamos sempre na busca por técnicas, procedimentos e ferramentas de diagnóstico que melhorem nossa performance e ofereçam excelentes resultados clínicos. Se eu calçar os tênis Nike Alphafly hoje, certamente, não vou ganhar medalha nas Olimpíadas (talvez eu nem sobreviva ao aquecimento). Mas esta tecnologia ajudará atletas a obter um aumento de 4% na eficiência, tornando-os mais rápidos e fazendo a diferença na busca por décimos ou centésimos de segundo, que os levarão ao topo do pódio. Ortodontistas de alto desempenho procuram a mesma coisa.

Eu me lembro de quando os acessórios ortodônticos pré-ajustados chegaram no Brasil em meados dos anos 1980. Os tradicionais e letárgicos profissionais alertavam os jovens incautos contra a tecnologia enganadora, enfatizando a precisão incontestável oriunda de um treinamento manual espartano, contrapondo-se à promessa de resultados clínicos mais consistentes e com menor necessidade de trabalho braçal. Muitos prosseguiram sem adotar as mudanças e, literalmente, morreram de mãos dadas com a técnica Edgewise.

Por incrível que pareça, eu vejo o mesmo filme se repetir quando percebo profissionais completamente avessos aos benefícios múltiplos da Ortodontia Digital. Que fique bem claro: alinhadores transparentes não são sinônimo de Ortodontia Digital, mas significam um dos braços interessantes que compõem a plêiade de ofertas.

Uma opinião pessoal, já que atualmente trabalho nos Estados Unidos com Ortodontia Digital, especifi camente com a tecnologia LightForce de impressão 3D de braquetes totalmente customizados: sabe qual a melhor parte sobre esses tênis de doping com tecnologia proibida? Eles só foram possíveis com o uso de grandes mentes utilizando materiais incríveis e, claro, impressão 3D.

Tudo o que posso pensar é que nosso setor tem sorte porque, embora sejamos competitivos, não estamos em uma posição de criar vencedores e perdedores. Fico grato por não haver um evento olímpico de Ortodontia. Pelo menos não ainda, pois eu certamente seria banido por doping.