Correção do roll com miniplacas
Mecânica ortodôntica sendo executada.

Correção do roll com miniplacas

Compartilhar

Miniplacas: Maurício Cardoso e Fernanda Meloti apresentam caso clínico de retratamento ortodôntico envolvendo impacção maxilar e correção dos planos oclusais superior e inferior.

As miniplacas são dispositivos de ancoragem temporários (DATs) desenvolvidos com o objetivo de fornecer fixação – ao introduzir uma força que direciona uma resposta no osso e no ligamento periodontal – e obter remodelação óssea e movimentação dentária1. A ancoragem por meio de miniplacas permite, simultaneamente, a utilização de forças ortodônticas nos três planos do espaço: transversal, sagital e vertical. As miniplacas ainda têm como características a resistência às forças ortopédicas, não exige a colaboração do paciente, é biocompatível e possibilita resultados clinicamente superiores quando comparadas aos sistemas de ancoragem convencionais.

Desde Jenner e Fitzpatrick(1985)2, pioneiros nas mecânicas ortodônticas associadas às miniplacas, houve grande evolução mecânica, muito embora a diversidade dos movimentos permitida pelas miniplacas ainda não seja do conhecimento e domínio da maioria dos ortodontistas.

Os miniparafusos (ancoragem esquelética relativa) ou as miniplacas (ancoragem esquelética ampliada) por si só não pressupõem excelência nos resultados quando utilizados no tratamento ortodôntico. É fato que as mecânicas com miniplacas permitem tratamentos mais rápidos, no entanto, isso ocorre quando há um domínio dos movimentos, por meio do correto diagnóstico e controle biomecânico da técnica executada.

A impacção maxilar ou remodelação óssea maxilar vertical é um dos maiores benefícios da mecânica com miniplacas, sobretudo em pacientes dolicofaciais jovens, do gênero feminino, portadoras de má-oclusão de classe II, pertencentes a um grupo de risco para reabsorções condilares3-4 e que apresentam tendência de intensificação dessa patologia após a cirurgia ortognática5-6. Como consequência dos movimentos executados no procedimento cirúrgico, normalmente com o objetivo de alterar os planos oclusais e realizar grandes avanços mandibulares, a musculatura é muito exigida. Isso aumenta a possibilidade de provocar reabsorções condilares, especialmente quando há algum indício de reabsorção que regenerou fisiologicamente antes do tratamento ortodôntico-cirúrgico ou como resultado de um tratamento para disfunção temporomandibular.

A impacção e a correção do plano oclusal maxilar por meio do tratamento ortodôntico associado às miniplacas ocorrem de forma mais lenta do que as obtidas na cirurgia ortognática. Entende-se que a melhora na adaptação muscular tem como reflexo a redução do risco de reabsorção condilar após a cirurgia ortognática que, quando ainda se faz necessária após o movimento de impacção maxilar, resume-se ao movimento de avanço mandibular e/ou mentoplastia.

A complexidade da cirurgia ortognática é menor quando não há necessidade de osteotomia na maxila, o que reduz o tempo cirúrgico, risco e edema, trazendo benefícios no pós-operatório.

Um fator importante e de difícil manejo para a Ortodontia é o controle dos planos oclusais, especialmente quando a ancoragem esquelética não é utilizada. Muitas vezes, a cirurgia ortognática é realizada exclusivamente com o objetivo de provocar rotação dos planos oclusais. As mecânicas com o auxílio das miniplacas têm a capacidade de minimizar esse tipo de indicação. Autores7 relataram que o controle do plano oclusal e as alterações consequentes na dimensão vertical, durante o tratamento ortodôntico, promovem melhora na posição mandibular e na função do sistema estomatognático, sendo imprescindível na resolução de muitas más-oclusões.

Quando localizadas no terço inferior da face, as assimetrias faciais podem apresentar etiologia maxilar e/ou mandibular. Quando localizadas apenas na mandíbula, o tratamento indicado é a cirurgia ortognática. Nas assimetrias que apresentam envolvimento maxilar, no sentido vertical, é possível um manejo intrusivo uni ou bilateral com auxílio de miniplacas, promovendo a remodelação óssea (impacção maxilar).

Sem o inconveniente das sobreposições, distorções e magnificações das imagens dos exames bidimensionais8, os exames tridimensionais são imprescindíveis para a elaboração do correto diagnóstico e plano de tratamento, permitindo a visualização de detalhes, como: posicionamento condilar e as possíveis alterações na forma do côndilo, saúde articular (ATM) e avaliação do estado de equilíbrio dentofacial (avaliação de simetria). Na prática clínica, o diagnóstico tridimensional (3D) associado à ancoragem esquelética abre novas possibilidades de tratamento8, especialmente em casos de alta complexidade.

O diagnóstico diferencial das alterações dentoalveolares vai direcionar a conduta no que diz respeito à localização e quantidade de miniplacas a serem instaladas no paciente. Por exemplo, quando há uma extrusão dentoalveolar maxilar no lado direito e uma intrusão dentoalveolar mandibular no lado direito, deverão ser instaladas duas miniplacas superiores – uma na região anterior e outra na região posterior. A remodelação óssea dentoalveolar extrusiva no arco inferior deverá ser realizada com o auxílio das miniplacas superiores. O mesmo raciocínio deve ser levado em consideração se o problema estiver localizado no lado esquerdo. Quando as alterações dentoalveolares apresentarem etiologia mandibular, com extrusão dos dentes mandibulares e intrusão dos dentes maxilares no lado direito, duas miniplacas inferiores deverão ser utilizadas – uma na região anterior e outra na posterior – seguindo o mesmo raciocínio quando o problema estiver localizado no lado esquerdo.

Se as alterações nos planos oclusais superior e inferior apresentarem envolvimento dentoalveolar em ambos os lados (direito e esquerdo), a demanda de ancoragem é maior, tornando necessária a instalação de mais miniplacas. Para exemplificar: para a correção da patologia de um paciente com extrusão dentoalveolar maxilar e intrusão dentoalveolar mandibular no lado direito, associadas à intrusão dentoalveolar maxilar e extrusão dentoalveolar mandibular no lado esquerdo, serão necessárias duas miniplacas superiores instaladas no lado direito e duas miniplacas inferiores no lado esquerdo.

Com o objetivo de ilustrar esta mecânica, apresentamos um caso clínico9 de retratamento ortodôntico envolvendo impacção maxilar e correção dos planos oclusais superior e inferior de uma paciente do gênero feminino. Na avaliação extrabucal frontal, observou-se assimetria facial nos terços superior e inferior, com desvio do mento para o lado esquerdo, linha do sorriso ascendente da direita para esquerda e consequente exposição gengival maior no lado direito (Figura 1A). Na avaliação intrabucal, constatou-se a relação dentária de classe II, subdivisão esquerda, overjet normal e um desvio da linha média inferior para o lado esquerdo (Figuras 1B a 1D).

A avaliação anteroposterior e inferossuperior da reconstrução 3D e a avaliação craniométrica da tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) evidenciaram o desvio das linhas médias superior e inferior para o lado esquerdo – associado à inclinação da linha média superior –, quando comparadas à linha média facial (Figuras 2A a 2C). Além disso, verificou-se uma assimetria maxilar e mandibular. A maxila apresentava crescimento vertical aumentado no lado direito e a altura do ramo e corpo mandibular, neste mesmo lado, encontravam-se maiores em relação ao lado esquerdo. As imagens das articulações temporomandibulares mostraram que o espaço articular superior no lado direito estava levemente diminuído e que o espaço articular superior no lado esquerdo apresentava-se aumentado (Figura 2D). Por se tratar de uma paciente assimétrica, o posicionamento condilar não estava necessariamente centralizado.

Observa-se que as estruturas anatômicas e musculares tendem a sofrer adaptações, buscando uma posição terapêutica adaptada (PTA), portanto, o tratamento ortodôntico não poderia ter como meta principal a centralização dos côndilos, sob pena de a paciente desenvolver sintomatologia, especialmente porque na anamnese não havia relatado dor nas ATMs.

O tratamento proposto envolveu a correção da assimetria maxilar por meio de impacção maxilar associada à distalização dos dentes posteriores (Figuras 3), com o auxílio de duas miniplacas superiores no lado direito – uma na região anterior e outra na região posterior –, corrigindo o desvio e a inclinação da linha média superior. No arco inferior, foi planejada a instalação de uma miniplaca no lado esquerdo, com objetivo de agravar a relação de classe II e corrigir a linha média dentária inferior para o centro da sínfise mandibular, pois o centro do mento e da sínfise mandibular encontravam-se mais desviados para o lado esquerdo em relação à linha média dentária inferior. Ao término do preparo ortodôntico, previa-se que a cirurgia ortognática, com abordagem limitada à mandíbula, corrigiria o plano oclusal inferior, o desvio mentoniano e a relação dentária de classe II no lado esquerdo.

Foi realizada a montagem do aparelho ortodôntico fixo superior e inferior (prescrição Ricketts – slot de 0,018” x 0,028”) e a instalação de três miniplacas: uma no pilar zigomático, uma no pilar canino (maxila) e outra na região de corpo ou linha oblíqua externa (mandíbula). Para ambos os arcos, foi utilizado o desenho em “T”, com três parafusos de fixação para garantir mais estabilidade aos dispositivos.

Imediatamente após o ato cirúrgico, foram adaptadas ligas elastoméricas das miniplacas posteriores aos primeiros molares superior direito e inferior esquerdo e da miniplaca superior (instalada na região anterior) ao canino superior direito. O edema e o desconforto no pós-operatório foram controlados com sessões de drenagem linfática facial antes e após o procedimento cirúrgico. Para o sucesso e a estabilidade das miniplacas, a paciente foi conscientizada da necessidade de manter boa higiene no local, por meio de escovação eficiente e bochechos com colutórios sem álcool.

Na fase de nivelamento, com fios 0.016” x 0.016” termoativados nos arcos superior e inferior, foram instalados cursores a fim de obter a distalização dos dentes posteriores na região superior no lado direito, e inferior no lado esquerdo, mantendo a mecânica de impacção maxilar no lado direito, iniciada no momento da instalação das miniplacas (Figuras 4).

Após a finalização do tratamento descompensatório em ambos os arcos, a paciente foi encaminhada para a cirurgia ortognática e submetida à ostetomia sagital de ramo mandibular bilateral, com o objetivo de corrigir a assimetria mandibular, tendo como referência a maxila já corrigida por meio da mecânica ortodôntica associada às miniplacas. A fixação óssea na mandíbula foi realizada com duas miniplacas – uma no lado direito e outra no lado esquerdo – e dois parafusos interfragmentários nos ramos direito e esquerdo.

Nesta fase, para avaliação dos movimentos cirúrgicos e planejamento do tratamento ortodôntico de finalização, foi solicitada uma nova TCFC, notando melhora no posicionamento condilar, apesar de o espaço articular no lado esquerdo ter se mantido aumentado (Figura 5A) – condição aceitável em pacientes assimétricos. Vale ressaltar que as estruturas anatômicas foram alteradas pela impacção maxilar no lado direito (Ortodontia) e pela alteração no posicionamento mandibular (cirurgia ortognática), as quais acarretaram modificações dentárias, ósseas, musculares e articulares, e que a paciente se manteve assintomática.

Observou-se ainda que a assimetria dos planos oclusais superior e inferior não havia sido totalmente corrigida (Figura 5B), razão pela qual a mecânica para a sua correção foi mantida. Após a fase de finalização ortodôntica, os aparelhos fixos e as miniplacas superiores foram removidos (Figuras 6) e a paciente foi encaminhada para a realização de restaurações cerâmicas com a equipe de reabilitação oral (Figura 7).

No tratamento ortodôntico de casos complexos, especialmente em pacientes portadores de assimetrias esqueléticas, torna-se fundamental a utilização de TCFC associada à mecânica ortodôntica com ancoragem esquelética ampliada (miniplaca). No caso apresentado, as miniplacas forneceram uma ancoragem mais eficiente e ampliada, com maior intensidade e alcance das forças em quase toda a extensão da maxila e da mandíbula10, permitindo solucionar as más-oclusões que, se tratadas com a mecânica ortodôntica convencional, o resultado final seria mais limitado.

Referências
1. Silva E, Pinho S, Meloti F. Sistemas Ertty – Ortodontia | DTM | Oclusão. (1a ed.) Maringá : Dental Press, 2011. p.584.
2. Jenner JD, Fitzpatrick BN. Skeletal anchorage utilizing bone plates. Aust Orthod J 1985;9(2):231-3.
3. Bazos P, Magne P. Bio-emulation: biomimetically emulating nature utilizing a histoanatomic approach; visual synthesis. Int J Esthet Dent 2014;9(3):330-52.
4. Magne P, Belser U. Bonded porcelain restoration in the anterior dentition: a biomimetic approach. Chicago: Quintessence, 2002.
5. Lam R, Goonewardene MS, Allan BP, Sugawara J. Success rates of a skeletal anchorage system in orthodontics: a retrospective analysis. Angle Orthod 2018;88(1):27-34.
6. de Moraes PH, Rizzati-barbosa CM, Olate S, Moreira RWF, de Moraes M. Condylar resorption after orthognathic surgery: systematic review. Int J Morphol 2012;30(3):1023-8.
7. Velá squez RL, Coro JC, Londoñ o A, McGorray SP, Wheeler TT, Sato S. Three-dimensional morphological characterization of malocclusions with mandibular lateral displacement using cone-beam computed tomography. Cranio 2018;36(3):143-55.
8. Ackerman JL, Proffit WR, Sarver DM, Ackerman MB, Kean MR. Pitch, roll, and yaw: describing the spatial orientation of dentofacial traits. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2007;131(3):305-10.
9. Silva E, Meloti F, Calicchio L, Pitt a M, Giordani G. Ortodontia reabilitadora do diagnóstico 3D à estética. In: Neuppmann MF, Duarte DA, Capez MJ. Ortodontia, estado atual da arte: diagnóstico, planejamento e tratamento. Nova Odessa. Napoleão, 2017. p.22-43.
10. Consolaro A. Miniplates and mini-implants: bone remodeling as their biological foundation. Dental Press J Orthod 2015;20(6):16-31.

 

Coordenador:

Mauricio CardosoMaurício Cardoso
Mestre e doutor em Ortodontia – Unesp Araçatuba; Presidente do PI Brånemark Institute, em Bauru (SP); Professor dos programas de especialização, mestrado e doutorado – SLMandic, Campinas (SP).
Orcid: 0000-0002-6579-7095.

 

Autora convidada:

Fernanda Meloti

Fernanda Meloti
Especialista, mestra e doutora em Ortodontia e Ortopedia Facial – Faculdade de Odontologia de Araraquara (Foar/Unesp); Professora dos programas de especialização, mestrado e doutorado – Faculdade São Leopoldo Mandic (Campinas/SP).
Orcid: 0000-0002-9336-1045