Apneia do sono pediátrica associada ao bruxismo do sono infantil

Apneia do sono pediátrica associada ao bruxismo do sono infantil

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O ortodontista é parte da equipe transdisciplinar habilitada no tratamento de distúrbios como a síndrome da apneia do sono pediátrica.

Nesta matéria

  • Diagnóstico e tratamento da Saos pediátrica
  • Ortopedia mecânica como indicação de tratamento
  • Relação entre bruxismo e Saos

Ainda que a estética esteja relacionada ao bem-estar e, consequentemente, à saúde, algumas especialidades se voltaram em exagero para ela, perdendo seu papel primordial que é o de promoção da saúde. Esse é um problema que ocorreu também na Odontologia. Vivemos um momento de avanço com a retomada à essência da nossa profissão, responsável por propiciar saúde à população, prevenindo doenças ou estabelecendo condutas terapêuticas. Dentre os diversos campos de atuação, destacam-se os transtornos respiratórios do sono, que estima-se afetar mais de 60 milhões de brasileiros.

A síndrome da apneia obstrutiva do sono (Saos) acomete também crianças. Trata-se de um distúrbio respiratório que pode desencadear efeitos neurocognitivos que comprometem o desenvolvimento infantil1-2, impactando de forma ostensiva a qualidade de vida de seus portadores. A estimativa é que cerca de 1% a 5% das crianças sejam acometidas pela Saos3, que se caracteriza por episódios recorrentes de obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores durante o sono, em especial na região posterior ao palato e na base da língua. O fluxo aéreo torna-se reduzido (hipopneia) ou interrompido (apneia) por, no mínimo, dez segundos e ocorrendo várias vezes por hora, apesar dos esforços respiratórios. O sono tende a ser interrompido por diversos microdespertares, os quais participam do processo de retomada da perviedade da via aérea e, consequentemente, da respiração. Não deve ser considerado como normal qualquer episódio de apneia do sono em uma criança4. Vale ressaltar ainda que muitas crianças podem não apresentar apneias e hipopneias, mas podem exibir o ronco, que é considerado uma vibração ruidosa decorrente da tendência de obstrução da via aérea5.

Diagnóstico

A suspeita de Saos é comumente levantada pela presença do ronco. O diagnóstico deve ser iniciado com uma anamnese cuidadosa, podendo ser utilizada como auxiliar uma ferramenta como o questionário pediátrico do sono. Em muitos casos, os pais ou responsáveis relatam características comuns a estas crianças ao despertar: dor de garganta, boca seca, sonolência e dor de cabeça. Uma sugestão interessante é gravar um vídeo da criança durante o sono6.

A presença de processos alérgicos e inflamatórios recorrentes nas vias aéreas pode estar associada à Saos. Se o clínico julgar necessário, a criança pode ser encaminhada para um alergista ou otorrinolaringologista para o diagnóstico e planejamento transdisciplinar. Outros fatores associados, como complicações perinatais, nascimento prematuro, presença de ronco, respiração bucal, bruxismo do sono, asma grave e enurese noturna devem ser sondados nesse primeiro contato. Não obstante, outros fatores preditivos da Saos podem ser elencados: tonsilas palatinas aumentadas, obesidade (embora muitas crianças apneicas encontram-se abaixo do peso), padrão de crescimento craniofacial vertical aumentado, atresia maxilar e retrusão maxilar ou mandibular4.

O exame de polissonografia é essencial para a confirmação da Saos7, registrando importantes parâmetros durante o sono e sendo considerado o padrão-ouro para o diagnóstico desta enfermidade.

Impactos na qualidade de vida dos portadores de Saos

O ronco e o esforço respiratório podem causar sonolência excessiva diurna e consequente redução do rendimento escolar, uma condição que mimetiza o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, enurese noturna, ansiedade e irritabilidade8.

A criança portadora de Saos pode apresentar um bruxismo que ocorre de forma simultânea, com estudos demonstrando a ocorrência em paralelo das duas condições, sem, contudo, comprovar uma relação entre causa e efeito9. As Figuras 1 trazem o exemplo de um paciente que apresentava importante desgaste dentário severo associado ao bruxismo. Os responsáveis relataram queixas compatíveis com distúrbio respiratório do sono. A realização da expansão maxilar (Figura 2) trouxe melhoras respiratórias e a cessação dos relatos de rangimento dos dentes.

Vale ressaltar que já foi sugerido que o bruxismo pode ter um aspecto protetivo para alguns pacientes, por restabelecer a ventilação pela contração muscular e projeção da mandíbula imediatamente após os episódios de bruxismo10.

Tratamento odontológico da Saos pediátrica

O reconhecimento e o tratamento precoce da Saos são de fundamental importância para o desenvolvimento e a saúde geral da criança. O tratamento ortopédico é capaz de influenciar o padrão de crescimento craniofacial, modificando a arquitetura facial com o objetivo de ampliar as vias aéreas, produzindo impactos positivos na Saos em muitos pacientes.

A Ortopedia mecânica, por meio da expansão ortopédica maxilar, é uma das alternativas para o tratamento da Saos pediátrica11, promovendo alterações transversais que resultam na ampliação da permeabilidade nasal. Há relatos na literatura sugerindo que algumas crianças com indicação de adenotonsilectomia podem não requerer a cirurgia após a expansão ortopédica maxilar. Ao considerar que possivelmente os benefícios respiratórios são dose-dependente da magnitude da expansão maxilar, expansões maxilares mais significativas deveriam ser realizadas. Alguns aparelhos ortopédicos funcionais utilizados para o avanço mandibular podem contribuir para um ganho anteroposterior, melhorando a perviedade das vias aéreas, com nível de evidência menor para esta modalidade de tratamento12.

Além disso, algumas orientações para a higiene do sono podem ajudar a criança, e este tipo de instrução também é de responsabilidade do cirurgião-dentista. A criança necessita de mais horas de sono que um adulto, devendo manter uma rotina (dormir e acordar nos mesmos horários) e em ambiente escuro, sem estímulos de som e luz advindos de aparelhos de televisão ou celulares. Brincadeiras e atividades que possam agitar a criança devem ainda ser evitadas na hora que antecede o sono.

Conclusão

  • Crianças e adolescentes roncadores podem evoluir para um quadro de Saos;
  • Torna-se imprescindível a conscientização dos familiares e das comunidades médica e odontológica acerca dos efeitos dos distúrbios respiratórios do sono na qualidade de vida e na saúde das crianças;
  • O cirurgião-dentista é parte da equipe transdisciplinar habilitada no tratamento dos distúrbios respiratórios do sono. Contudo, a etiologia multifatorial demanda diagnóstico e abordagem terapêutica em equipe.

Referências

1. Lal C, Strange C, Bachman D. Neurocognitive impairment in obstructive sleep apnea. Chest 2012;141(6):1601-10.
2. Tripuraneni M, Paruthi S, Armbrecht ES, Mitchell RB. Obstructive sleep apnea in children. Laryngoscope 2013;123(5):1289-93.
3. Lumeng JC, Chervin RD. Epidemiology of pediatric obstructive sleep apnea. Proc Am Thorac Soc 2008;5(2):242-52.
4. Stark TR, Pozo-Alonso M, Daniels R, Camacho M. Pediatric considerations for dental sleep medicine. Sleep Med Clin 2018;13(4):531-48.
5. Nespoli L, Caprioglio A, Brunetti L, Nosetti L. Obstructive sleep apnea syndrome in childhood. Early Hum Dev 2013;89(suppl.3):33-7.
6. Constantin E, Horwood L. Pediatric obstructive sleep apnea. in: Encyclopedia of sleep 2013;290-5.
7. Huang YS, Guilleminault C. Pediatric obstructive sleep apnea: where do we stand? Adv Otorhinolaryngol 2017;80:136-44.
8. Baldassari CM, Mitchell RB, Schubert C, Rudnick EF. Pediatric obstructive sleep apnea and quality of life: a meta-analysis. Otolaryngol – Head Neck Surg 2008;138(3):265-73.
9. Oksenberg A, Arons E. Sleep bruxism related to obstructive sleep apnea: the eff ect of continuous positive airway pressure. Sleep Med 2002;3(6):513-5.
10. Manfredini D, Guarda-Nardini L, Marchese-Ragona R, Lobbezoo F. Theories on possible temporal relationships between sleep bruxism and obstructive sleep apnea events. An expert opinion. Sleep Breath 2015;19(4):1459-65.
11. Pirelli P, Saponara M, Guilleminault C. Rapid maxillary expansion (RME) for pediatric obstructive sleep apnea: a 12-year follow-up. Sleep Med 2015;16(8):933-5.
12. Nazarali N, Altalibi M, Nazarali S, Major MP, Flores-Mir C, Major PW. Mandibular advancement appliances for the treatment of pediatric obstructive sleep apnea: a systematic review. Eur J Orthod 2015;37(6):618-26.