Em entrevista, Carlos Flores Mir expõe sua opinião sobre o patamar atual da Ortodontia global e se aprofunda em questões relacionadas ao tratamento da Classe II.
O peruano Carlos Flores Mir tem a Ortodontia no DNA. Filho de ortodontista, ele se formou na Universidade Peruana Cayetano Heredia, em Lima, no início dos anos 1990 e logo depois começou uma estreita relação com o Brasil, quando veio fazer mestrado na Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP).
Ao retornar à Lima, atuou por dois anos em uma policlínica e teve a oportunidade de conhecer de perto a Odontologia Social. Mas, Flores Mir queria se desafiar e aprofundar suas habilidades na Ortodontia, então partiu para uma curta temporada em San Diego, nos Estados Unidos, para fazer doutorado. Logo em seguida, em 2002, foi aceito para o pós-doutorado na Universidade de Alberta, no Canadá – onde se estabeleceu e seguiu carreira. Atualmente, ele é professor titular e diretor do Programa de Ortodontia da Universidade de Alberta.
Durante toda sua carreira, o peruano contribuiu para o desenvolvimento da literatura científica. Além de editor assistente e associado de três publicações da área de Ortodontia, escreveu capítulos de livros e tem dezenas de artigos publicados. Seu foco de interesse mais recente está no manejo clínico da má-oclusão de Classe II.
Nesta entrevista exclusiva para a revista OrtodontiaSPO e intermediada pelo ortodontista brasileiro Alexandre Moro, Carlos Flores Mir expõe sua opinião sobre o patamar atual da Ortodontia global e se aprofunda em questões relacionadas ao tratamento da Classe II.
Alexandre Moro – Qual tópico você acredita que seja o mais estudado hoje em dia na Ortodontia?
Carlos Flores Mir – Até pouco tem atrás, era a ancoragem esquelética. Depois começou o movimento ortodôntico acelerado, embora eu tenha percebido que o pico passou e o interesse esteja reduzindo. Percebo um foco maior em alinhadores. Mas, se pensar bem, todas essas áreas de estudo estão interrelacionadas. Temos que entender melhor sobre ancoragem esquelética, miniparafusos e dispositivos temporários de ancoragem, pois percebo que ainda há coisas que precisamos responder e precisamos unir os conhecimentos para tomar decisões sobre o tratamento.
Alexandre Moro – E há algum tópico na Ortodontia que você acha que não é muito estudado ou que não temos boas evidências?
Carlos Flores Mir – Fazemos tratamento clínico com base em nossa própria experiência clínica. Quando observamos alguém fazendo algo diferente, tentamos nos adaptar e testamos. Isso, por si só, é uma maneira de fazer Odontologia baseada em evidências. Não precisa ser sempre uma revisão sistemática com uma metanálise. Então, nesse sentido, acredito que, provavelmente, toda a Ortodontia está bem coberta de pesquisa.
Eu costumava culpar as empresas pelo marketing e por tentar nos vender coisas que não têm base. Mas, hoje em dia, eu acho que os clínicos é que são culpados porque as empresas precisam dar retorno às partes interessadas. Se dissermos a uma empresa para não vender algo, isso não acontecerá. Então, como clínicos, precisamos entender o que as empresas nos oferecem, processar as informações e decidir se há evidências suficientes para justificar o produto.
Alexandre Moro – Você tem estudado tratamentos Classe II por um bom tempo. Há algo diferente hoje em dia?
Carlos Flores Mir – Praticamente quase todos os equipamentos Classe II, sejam removíveis ou fixos, de certa forma, são similares. No final das contas, a decisão sobre qual abordagem Classe II usar não é baseada no resultado, mas sim na forma administrativa. Em outras palavras: por exemplo, você confia que o paciente vai seguir as instruções? Então, provavelmente, usar um dispositivo funcional removível ou elásticos ou Carrier vai funcionar. Já os aparelhos fixos basicamente não dependem do paciente. Pedir para o paciente usar um aparelho removível por 18 ou 24 meses não é uma tarefa fácil. E eu também acho que problemas esqueléticos significativos deveriam ser tratados cirurgicamente, pois nenhum corretor Classe II vai substituir a cirurgia no sentido de obter objetivos faciais claros. Mas, a maioria dos pacientes não quer e, quanto mais eu pratico clinicamente, mais eu busco o que é chamado de “resultado do paciente”. Entende-se que é um grande desafio para um pai a decisão de submeter uma criança à cirurgia sob anestesia. Assim, a maioria desses pacientes vai escolher a camuflagem de compensação, o que é uma decisão humana, desde que as partes compreendam as limitações. Com a experiência, eu percebi que, quando faço camuflagem em casos graves de Classe II, não vou obter overjet e overbite perfeitos ou um canino Classe I e um molar Classe I. Aprendi que, provavelmente, vou obter overjet e overbite adequados e uma Classe II moderada, e o paciente vai ficar bem.
Alexandre Moro – Sobre os alinhadores transparentes, em quais casos eles não apresentam o mesmo sucesso que os aparelhos fixos?
Carlos Flores Mir – Primeiro, há uma curva de aprendizado significativa. Se pensarmos automaticamente em alinhadores de plástico como equivalentes aos braquetes, temos um problema porque os alinhadores têm a capacidade de “empurrar e puxar”, enquanto os braquetes puxam e os fios sempre se dobram, e estão em movimento para fora. Fica claro que, biomecanicamente, eles se comportam de maneiras diferentes.
Quem não acredita em alinhadores de plástico é porque não está preparado para fazer isso corretamente. Hoje em dia, um dos movimentos difíceis com alinhadores é a rotação de pré-molares, por exemplo, mas o argumento é que pode-se colocar attachments vestibular e lingual para se tornar mais eficiente.
Alexandre Moro – Mas, às vezes, temos tantos attachments na boca que pensamos: qual é a diferença de usar braquetes e fios estéticos?
Carlos Flores Mir – Quando entro nesse cenário, tenho alguns pacientes recusando os alinhadores e escolhendo os braquetes. O que percebo é que os pacientes adultos são mais colaborativos quando usam alinhadores, pois estão pagando pelo tratamento. Nesse sentido, são melhores do que adolescentes, que são custeados pelos pais. Mas, em certo ponto, quando o tratamento se prolonga, os adultos também se cansam. E acho que isso remonta ao relacionamento entre alinhadores transparentes e o movimento ortodôntico acelerado. Casos complexos precisarão de tantos alinhadores que, se você for alterá-los a cada duas semanas ou toda semana, vai levar mais de um ano – é nesse momento que os pacientes desistem. Provavelmente, no futuro, precisaremos fazer um tratamento híbrido porque será mais eficiente, por exemplo, rotacionar um pré-molar colocando dois braquetes, lingual e vestibular, fazer um par com correntes, girar o dente e só usar alinhadores quando já tiver resolvido esse movimento. Já um tratamento rápido, de quatro meses, privilegia os alinhadores.
Alexandre Moro – No futuro, todo ortodontista terá seu próprio laboratório no consultório?
Carlos Flores Mir – Sim, acho que esse é o futuro. Há espaço para as empresas, levando em consideração as condições locais. Mas, quando você começa a calcular os custos – que são pequenos – de imprimir modelos de plástico e depois sobrepor os alinhadores, percebe que pode ser um bom negócio. Quando se trata de 40 ou 50 alinhadores, é mais eficiente ter a empresa fazendo isso do que pagar alguém no laboratório. Isso é uma realidade no Canadá, onde o custo da mão de obra é muito grande. No Brasil, pode ser diferente. A discussão sobre impressoras é interessante porque o custo diminuiu bastante, mas as máquinas relativamente baratas são extremamente lentas. E se você estiver precisando de 30 conjuntos de alinhadores, levará dias para imprimi-los. Então, até produzirmos impressoras menores e mais eficientes, provavelmente, ainda faz sentido enviar o modelo para uma empresa. E isso volta ao conceito dos scanners, que estão evoluindo tão rápido que já não sei se comprá-los é melhor do que enviar um paciente para um centro de imagens – já que, a cada três anos, você possivelmente terá que trocar de equipamento. Em resumo, é preciso fazer um cálculo de custos. O plástico vai evoluir e vai melhorar, pois ele veio para ficar. Temos que fornecê-lo aos pacientes, mas nem todo paciente entende os requisitos sobre o seu uso. Alguns mudam de ideia quando você fornece outras opções. Acho que devemos entrar nessa conversa mesmo que o paciente diga “eu quero alinhador”. A conversa deve, profissionalmente, dizer: “isso funcionaria com alinhadores ou com braquetes, ou com uma combinação deles”.