O aspecto antiestético da Classe II chama mais a atenção de pais e pacientes. Por isso, tantas pessoas querem tratar as alterações dentárias ou esqueléticas deste tipo.
A má-oclusão de Classe II não é a de maior prevalência na população, entretanto é o tipo que mais tratamos. Os aspectos antiestéticos da Classe II aparecem precocemente, já no primeiro período transitório, e os componentes esqueléticos competem como possível fator etiológico da apneia obstrutiva do sono. A Classe II representa cerca de 30% das más-oclusões presentes na população, bem acima da porcentagem observada para a má-oclusão de Classe III. Embora a má-oclusão de Classe I seja de maior prevalência, muitos pacientes se mostram indiferentes à presença de discretos apinhamentos dentários. O aspecto antiestético da Classe II chama mais a atenção de pais e pacientes, por este motivo tantas pessoas querem tratar as alterações dentárias ou esqueléticas da Classe II.
Apesar do entendimento do tratamento da Classe II estar bem sedimentado e difundido na Ortodontia atual, a evolução da Ciência sempre traz constantes inovações técnicas e de diagnóstico. A opção do profissional por realizar o tratamento ortodôntico com aparelhos modernos deve ser na intenção de otimizar o tempo, bem como oferecer mais conforto ao paciente. Sendo assim, sempre é oportuno discorrer opiniões e experiências sobre o abrangente tema do tratamento da Classe II.
O correto diagnóstico e o domínio técnico precedem a indicação de qualquer aparelho ortodôntico. O profissional deve estar apto a indicar, entender as respostas clínicas e dominar a biomecânica dos aparelhos ortodônticos de modo a controlar os eventuais efeitos colaterais. A evolução da Ortodontia sempre introduz o mercado a novos aparelhos que, embora atraentes, não têm todos os efeitos prontamente descritos e, por vezes, os estudos iniciais destacam mais os resultados benéficos do que os efeitos colaterais. O treinamento eminentemente técnico do ortodontista não disponibiliza o tempo sufi ciente para o seu treinamento comercial. Esta situação torna o profissional refém da intensa propaganda de produtos e aparelhos do mercado de Ortodontia.
Para proporcionar uma sequência lógica de raciocínio para a correta sedimentação do conhecimento e domínio do tratamento ortodôntico da má-oclusão de Classe II, considero um ótimo exercício clínico compreender o básico e o essencial sobre a época e o tempo de atuação para o tratamento desta má-oclusão.
A correção da Classe II em uma ou duas fases tem sido tema de excelentes estudos, com evidências científicas robustas concluindo que o tratamento da Classe II em duas fases não tem vantagem alguma para o paciente. O estudo clínico randomizado representa o mais indicado para esta modalidade de pesquisa e todos os que foram realizados apresentaram como resultado a falta de necessidade de corrigir a Classe II na infância¹ . No entanto, algumas necessidades dos pacientes nos fazem refletir que a Ciência traz dados pontuais e sua evolução indica novas avaliações. O paciente hoje é analisado sob a ótica da técnica e do comportamento. Embora o resultado estético final seja o seu maior objetivo, atualmente suas impressões sobre o problema apresentado e o tratamento proposto têm sido levadas em consideração. Portanto, a primeira controvérsia a ser abordada é: o tratamento da má-oclusão de Classe II deve ser realizado em uma ou duas fases?
A Classe II se caracteriza, na maioria das vezes, pela retrusão da mandíbula, podendo apresentar protrusão, retrusão ou bom posicionamento da maxila. Portanto, as correções realizadas na maxila têm pouca ou nenhuma repercussão na melhora oclusal e estética. Sendo assim, a correção do posicionamento sagital da mandíbula se torna um resultado imprescindível no tratamento desta má-oclusão. As maiores taxas de incremento de crescimento mandibular ocorrem no período da dentadura mista tardia. Portanto, estimar o estágio de maturação esquelética do paciente permite tirar melhor proveito do redirecionamento de crescimento mandibular. Realizar tratamentos ortopédicos antes da época de expressivas taxas de crescimento mandibular pode até mostrar resultados, porém estes efeitos não são estáveis.
Deste modo, em muitos casos, um segundo tratamento deve ser realizado posteriormente. Esta abordagem torna a correção da Classe II um processo mais longo, gerando mais custo e sendo desgastante para o paciente. Este fato nos leva à reflexão de que a estratégia do tratamento expressa a linha de conduta do profissional, sempre direcionada à natureza dos problemas do paciente.
A partir dos anos 1980, os aparelhos ortopédicos se difundiram e foram associados ao aparelho fixo. A benéfica soma das filosofias Ortodontia e Ortopedia trouxe uma excelente evolução científica que levou à mudança no nome da especialidade e no título de periódicos. Contudo, a Ortopedia Funcional ou Mecânica dos Maxilares não se mostrou uma solução definitiva para as más-oclusões, principalmente para os profissionais que acreditaram na solução precoce dos problemas esqueléticos. Os aparelhos propulsores mandibulares representam a expressão máxima dos benefícios que a Ortopedia oferece, não obstante sejam indicados para o tratamento em uma fase. Logo após o uso deste aparelho ortopédico, prossegue-se com a instalação do aparelho fixo para o refinamento do posicionamento dentário².
Recentemente, foi publicado um artigo que impactou os defensores do tratamento em uma fase. De modo pertinente, os autores indicaram o tratamento em duas fases, sendo a primeira designada para a redução da protrusão dos incisivos superiores, de modo a prevenir a ocorrência de trauma ou fratura destes dentes, além da melhora na autoestima e nas relações sociais da criança. Esta correção ortodôntica tem grande validade e é baseada em evidências científicas, podendo ser realizada com aparelhos ortopédicos ou fixos instalados na dentadura mista (Figuras 1)³.
Como consideramos a expansão rápida da maxila (ERM) para o tratamento da Classe II? Ela também deve ser considerada válida para o tratamento em duas fases. A correção de discrepâncias transversais severas da maxila pode ser realizada, inclusive, mais de uma vez. Seria a correção em três fases? O básico e essencial é: não devemos nos atentar ao número de atuações quando temos o correto diagnóstico, um plano de tratamento baseado em evidência e a clareza de ideias para serem explicadas ao paciente e aos pais.
A discrepância transversal da maxila encontra-se dentre as características da Classe II, 1ª divisão. As características esqueléticas da Classe II, somadas ao componente funcional muscular do complexo craniofacial, exercem influência nas relações dimensionais dos arcos dentários durante o desenvolvimento da oclusão4-5. Ainda, competem os fatores ambientais e a deficiência mandibular que podem resultar em problemas funcionais, como a apneia obstrutiva do sono. Portanto, a expansão rápida da maxila pode ser indicada para paciente Classe II, independentemente da presença da mordida cruzada posterior. Como uma atuação interceptora, a ERM favorecerá a melhora da respiração nasal e do posicionamento sagital mandibular, e reduzirá a ocorrência de problemas auditivos e de episódios de apneia6.
O básico e essencial é analisar as condições do paciente para a tomada de decisão, utilizando a melhor evidência científica em conjunto com os aparelhos ortodônticos de domínio do profissional. Os planos de tratamento devem ser estipulados para as necessidades do paciente, em detrimento às preferências do profissional ou tendências da atualidade.
Referências
1. Dolce C, McGorray SP, Brazeau L, King GJ, Wheeler TT. Timing of Class II treatment: skeletal changes comparing 1-phase and 2-phase treatment. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2007;132(4):481-9.
2. Behrents RG. One phase or two, and Buridan’s paradox. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2016;149(6):775-6.
3. Thiruvenkatachari B, Harrison JE, Worthington HV, O’Brien KD. Orthodontic treatment for prominent upper front teeth (Class II malocclusion) in children. Cochrane Database Syst Rev 2013;11:CD003452.
4. Christopher JL, Conradt C, Burden D, Komposch G. Dental arch widths and mandibular-maxillary base widths in Class II malocclusions between early mixed and permanent dentitions. Angle Orthod 2003;73(6):674-85.
5. Alvaran N, Roldan SI, Buschang PH. Maxillary and mandibular arch widths of Colombians. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2009;135(5):649-56.
6. Iwasaki T, Saitoh I, Takemoto Y, Inada E, Kakuno E, Kanomi R et al. Tongue posture improvement and pharyngeal airway enlargement as secondary effects of rapid maxillary expansion: a cone-beam computed tomography study. Am J Orthod Dentofacial Orthop 2013;143(2):235-45.
Coordenador
Júlio Gurgel
Professor assistente doutor do Depto. de Fonoaudiologia – Faculdade de Filosofia e Ciências do Campus de Marília (Unesp); Autor do livro Marpe: expandindo os limites da Ortodontia.
Orcid: 0000-0003-4205-0965
Autoras convidadas
Paola Dastres Hernández
Professora adjunta de prática clínica do Depto. de Odontologia da Faculdade de Medicina – Pontifícia Universidade Católica do Chile.
Mayara Livia Baldez Castro Ferreira
Aluna do curso de especialização em Ortodontia – Instituto Pós-Saúde.